Com um foco na amplificação da voz da comunidade negra e na denúncia do racismo estrutural presente em diversas esferas da sociedade, veículos independentes como a Alma Preta têm ganhado cada vez mais espaço e reconhecimento.
Por Eloah Kaway

Parte da equipe Alma Preta. Foto: Reprodução / Instagram @pdrborgesfranco.
Durante os últimos anos, o jornalismo preto vem se manifestando como uma das principais vozes do jornalismo independente. Esse movimento é resultado da ascensão de um conjunto de jornalistas, escritores e ativistas que buscam dar voz a perspectivas historicamente marginalizadas e silenciadas diante da mídia tradicional.
No Jornalismo preto, a busca por fornecer uma cobertura precisa se tornou essencial, um veículo que se compromete com uma cobertura justa a cerca de questões que afetam as comunidades negras, incluindo questões como: a violência policial, o racismo estrutural, as desigualdades econômicas e sociais, entre outras.
“A mídia negra tem um papel fundamental de denúncia do racismo. Ajudou na organização de setores sociais para se mobilizarem contra o preconceito e ajudou na organização dos setores negros do enfrentamento ao aniquilamento negro no Brasil”, destaca Juarez Xavier, vice-diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) da Universidade Estadual Paulista.
Além disso, observa-se também a preocupação em fazer uma grande apuração jornalística, ajudando ainda mais no combate da desinformação. Esse é o caso da Alma Preta, uma agência de jornalismo especializada em questões raciais que atua desde 2015, tendo como compromisso informar, dar visibilidade e potencializar a voz da população negra.
Para Pedro Borges, co-fundador e editor-chefe, veículos como a Alma Preta estão presentes na luta contra a desinformação, produzindo cada vez mais informações de qualidade e atuando com uma educação midiática. “Uma boa maneira de combater a desinformação, é produzido informação de qualidade, uma informação com uma grande apuração jornalística. Por meio desse caminho a Alma Preta tem feito essa luta, que eu acho que uma luta também que tende a crescer cada vez mais. Uma outra coisa que a gente faz por meio das nossas reportagens, sobretudo os conteúdos audiovisuais, existe uma educação, uma educação midiática para as pessoas entenderem o que é notícia, como se informar, acho que isso é importante.”
No entanto, antes mesmo da consolidação e surgimento da imprensa negra, a população afrodescendente no Brasil e em outros lugares no mundo enfrentou diversas dificuldades e a construção de um meio de comunicação comprometido em dar voz à população negra surgiu como um grande aliado.
A construção do jornalismo preto como uma forma de resistência veio antes mesmo da abolição da escravatura no Brasil, como o jornal “O Homem de Cor”, publicado no Rio de Janeiro e que circulou entre setembro e novembro de 1833, fundado por Francisco de Paula Brito, um dos pioneiros da imprensa negra no Brasil.

Página do Jornal “O Homem de Cor” em 14 de setembro de 1833, fundado por Francisco de Paula Brito, pioneiro da imprensa negra no Brasil. Foto: Reprodução / Hemeroteca Biblioteca Nacional.
Porém, mesmo após a abolição, a mídia brasileira nunca deu a atenção adequada às demandas da população negra. Ao longo dos séculos seguintes, a mídia preta independente acompanhou de perto as transformações sociais do país. Tiveram participação ativa nas discussões sobre a abolição e a igualdade, foram excluídos durante a ditadura de Vargas, sofreram censura durante o regime militar e, atualmente, estão em ampla disseminação na internet.
“A conformação de formas organizativas do jornalismo preto no Brasil, se dá fundamentalmente pelo cenário da brutalidade racial existente”, explica, Juarez Xavier.

Série “Brasil em Constituição”. Foto: Reprodução G1 / Jornal Nacional
Resistência e representatividade.
Durante movimentos pelos direitos civis, o jornalismo preto tem um papel fundamental na mobilização da comunidade e na luta contra a discriminação racial. Hoje em dia, a mídia preta independente continua a ser uma voz vital para a comunidade afrodescendente, trazendo perspectivas únicas e significativas para o discurso público, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. “Hoje, nós já ocupamos um cenário importante dentro das mídias independentes, a Alma preta é uma mídia reconhecida? é, mas eu acho que a gente tende a crescer mais. Acho que a gente tem que ocupar um lugar ainda mais central”, explica Pedro.
Porém, a fim de que essa mobilização seja viável, recursos são indispensáveis. Inclusive no âmbito do jornalismo independente, jornalistas negros deparam-se com uma série de obstáculos. A carência de recursos financeiros, o racismo estrutural que permeia a sociedade e o espaço que ocupam dentro mídia podem restringir as oportunidades de progresso e reconhecimento para jornalistas negros, tornando desafiadora a construção de trajetórias profissionais bem-sucedidas e duradouras. Apesar dessas barreiras, muitos jornalistas negros persistem e resistem, trazendo suas perspectivas e vivências singulares para o jornalismo independente.
“Jornalistas negros enfrentam vários desafios, um deles é a questão do espaço. Quando você fala de independência no jornalismo, você tem que ter espaços de trabalho que vão te permitir isso e uma estrutura jornalística é uma estrutura bastante hierárquica”, diz Pedro Borges.

Pedro Borges, co-fundador da Alma Preta. Foto: Reprodução / Instagram @pdrborgesfranco.
A mídia tradicional e o caso do Carrefour
Já se passaram mais de dois anos desde que Beto Freitas, um homem negro, foi espancado e asfixiado até a morte por seguranças do Carrefour em Porto Alegre. No entanto, a rede de varejo voltou a ser acusada de racismo, desta vez por um ocorrido em sua loja em Alphaville, em São Paulo. Vinícius de Paula, esposo da jogadora da seleção brasileira de vôlei, Fabiana Claudino, tornou-se a mais recente vítima de racismo por parte da rede varejista Carrefour. Em uma postagem em rede social, Vinícius relatou que uma funcionária do caixa na loja de Alphaville (SP) se recusou a atendê-lo, alegando que poderia sofrer penalidades se o fizesse. Após escolher outro caixa, a mesma funcionária atendeu uma cliente branca. Como resultado, Vinícius de Paula está tomando medidas legais e entrando com uma ação judicial contra o Carrefour.
No caso de Beto Freitas, enfatizou a diferença na cobertura da grande mídia em comparação com a imprensa negra independente. Enquanto a grande mídia apresentava uma cobertura rasa e sensacionalista, veículos como a Revista Raça, a Alma Preta e o Geledés Instituto da Mulher Negra trouxeram análises profundas sobre o caso, destacando questões como o racismo estrutural, a segurança pública e a necessidade de justiça para a vítima e sua família.
Esses veículos também deram voz a especialistas em questões raciais, oferecendo uma perspectiva mais informada e ampla sobre o assunto. O caso do Carrefour evidencia a importância da imprensa negra independente na conscientização e mobilização da comunidade negra e da sociedade em geral.
“A gente tem acompanhado de uma maneira bastante sistemática, feita uma grande apuração e os caras [a mídia tradicional] não vai por exemplo, topar fazer uma cobertura com a profundidade que a Alma Preta faz. Então acho que é fundamental sinalizar isso, a gente ter feito o trabalho jornalístico de profundidade de investigação. Com o compromisso radical com o povo negro, compromisso radical com a luta do movimento negro e isso a grande imprensa nunca vai ter”, destaca Pedro.
