Por Giovanna Pasquetto

De um bairro periférico em Bauru, no interior de São Paulo, ao complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, conheça dois projetos sociais que, ao unir as forças da comunidade, transformaram a vida de seus moradores.
Todo mundo já ouviu aquele ditado popular que diz: “A união faz a força” e todos aqueles que já conheceram algum projeto de melhoria social podem confirmar sua veracidade com os devidos esforços. Nas universidades públicas existe um contrato social de “devolver à sociedade todo o conhecimento que é produzido dentro delas” e é por isso que surgem os incentivos para a elaboração e confecção de atos sociais que agreguem valor aos cidadãos.
Foi a partir desta premissa que surgiu o “Voz do Nicéia”, um projeto de jornal comunitário que visa “intermediar” os anseios dos moradores visando seus direitos e bem-estar. O portal existe há mais de oito anos junto ao curso de Jornalismo da UNESP de Bauru e desde seu início pode-se observar o comprometimento com os moradores locais e com aquilo que seus valores ditam: responsabilidade social, voluntariado, transparência, rigor e crescimento.
“Acredito que o princípio mais forte dele é a universalização da comunicação jornalística na periferia”, afirma a repórter do “Voz do Nicéia” e aluna de Jornalismo Julie Anne.

A metodologia age de forma bem receptiva. A equipe vai até os moradores e pergunta o que eles querem mudar, o que incomoda o que pode melhorar e partir desse desejo dos moradores é então elaborada uma pauta que vai dar início à produção da matéria.
Mas não foi uma ideia que surgiu de estopim, relances daquilo que futuramente se tornaria o “Voz” que hoje é conhecido apareciam na tese sobre jornalismo comunitário, do jornalista e ex-professor da Unesp Ângelo Sottovia Aranha.
As reportagens, gradualmente, ganharam espaço dentro do bairro e entre os moradores. “Oferecemos espaços e expandimos as problemáticas do bairro. Temos um trabalho mais como intermediários”, comenta Gabriel Rezende, um dos coordenadores do “Voz do Nicéia”, ao ser questionado sobre como o pessoal do projeto se vê em meio à causa.
“Nosso trabalho é tratar de pautas que surjam no bairro e envolvam o resto da comunidade, mas sem perder a visão e anseio dos moradores”, afirma.
Duas recentes problemáticas foram levantadas pelos próprios moradores: o horário do ônibus escolar para as crianças, que passava em horas irreais para a realidade dos moradores, e a recente pavimentação de um trecho do bairro que, em pleno 2023, ainda não possuía asfalto.
E adivinhem, ambas foram solucionadas! “Não podemos mudar tudo isso sozinhos mas a gente noticia! Noticia com muita força”, conclui Julie. Ademais, os colaboradores do projeto também tiveram presença marcada na festa de dia das crianças no ano passado e pretendem continuar presentes, fotografando e noticiando!
E contrariando quem acredite que essa força de vontade parte apenas dos universitários, o próprio bairro também não fica para trás: eles possuem sua própria organização e até mesmo já sediaram campeonatos de handebol entre os moradores!

Porém, óbvio que não é fácil, claro que não. Certos obstáculos surgiam como o surgimento da Covid-19 e o corte de verbas nas universidades públicas.
Se uma das marcas registradas do jornal são suas edições impressas, como prosseguir sem a devida verba e sem poder entregar para os moradores? Se as matérias são feitas a partir das pautas que os moradores abordam, como prosseguir se não pode ir vê-los, pelo bem da saúde pública? Rezende comenta que as adaptações foram on-line, através de post’s nas suas redes sociais e trocas de mensagem com moradores que eles possuíam um contato mais próximo. “Sempre estamos inovando para manter os moradores próximos”, completou.
Porém, não era a mesma coisa, lamentam os entrevistados, alguns moradores até acreditavam que o projeto havia acabado e eles haviam ficado de lado. Os jornais impressos são uma tendência entre os moradores, sem eles e sem as visitas de rotina houve um pequeno distanciamento. Entretanto, após a estabilização da situação pandêmica e a recuperação das verbas, gradualmente as visitas voltaram a ocorrer, assim como as edições impressas.
O coordenador explica que a troca de experiências, memórias e aprendizado é infinita durante todo o instante no qual você ousa estender seus olhos para a causa. “A voz provoca essas reflexões na gente, eles (os moradores) nos ensinam muito. Hoje, por causa do projeto, vejo tudo isso como uma causa de todo mundo”, declara ele.

Voz da comunidade e a sua origem

A dimensão de força em conjunto extrapola os limites dos municípios paulistas quando lembramos do “Voz da comunidade”, localizado no complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Criado em 2005 pelo aluno de onze anos e morador do morro do Adeus, Rene Silva dos Santos dava o pontapé inicial para compartilhar com o mundo tudo aquilo que existia dentro da sua comunidade. Porém, apenas em 2010 obteve sua real apreciação nacional e internacional pelo trabalho dos jornalistas. A similaridade mais adorável com o Voz do Nicéia, é que eles também são adeptos das edições impressas.
Os temas vão desde as artes nas favelas, a “favelarte”, e sobre toda a diversificação cultural dentro do Complexo e até mesmo propagando eventos em datas especiais, como os dias das mães onde nove mães foram levadas a um salão de beleza e tiveram um dia de rainha com a iniciativa do “Mãe é quem cria!”. O site do jornal informa que o projeto “possui a sensibilidade de abordar temas sensíveis e cruciais, como a crescente violência policial e a importância e relevância de pessoas de comunidade na politica nacional. Atualmente, a força desse projeto nas mídias é enorme porém, nada pode ser comparado com o impacto que existe entre os moradores”.

Voz do Nicéia, Voz da comunidade, Voz da Vila Kenedy, Instituto vozes das periferias. Estes são alguns exemplos das centenas de projetos sociais e jornais comunitários que atuam como um lembrete diário de uma coisa: existem muitas realidades a serem retratadas, ouvidas e vistas e diversas pessoas com todo o potencial do mundo para falar com um misto de realidade e sensibilidade e transformar isso em uma causa social. Por fim, não se pode esquecer que existe muita esperança por aí ainda.
