Antes, inclinado a representar apenas mulheres brancas, o feminismo tem se adaptado e hoje se engaja na luta contra o feminicídio e busca atender as novas demandas sociais
Por Isadora França

O movimento feminista no Brasil tem passado por alterações ao longo das décadas. Nos séculos 19 e 20, as reivindicações das mulheres eram, em parte, diferentes das demandas da atualidade. As razões disso encontram-se no fato de que, com o tempo, as mulheres foram conquistando alguns direitos e maior espaço na sociedade e, portanto, as necessidades destas começaram a passar por mudanças. Hoje, as brasileiras presentes no movimento lutam por causas diferentes, estão cientes de problemáticas que antes não eram abordadas com frequência e constituem um corpo feminista mais inclusivo.
A história feminista brasileira tem seus primeiros registros datados do século 19 e, a princípio, as mulheres lutavam pela educação feminina e emancipação da mulher, pelo direito ao voto e pela abolição da escravatura. Ao longo dos anos, as necessidades foram mudando e se adaptando aos novos tempos que se sucediam. Atualmente, a luta feminista das representantes brasileiras, apesar de bastante ampla, tem como foco a proteção da mulher contra a violência e o feminicídio e o acolhimento das vítimas desses crimes. Esse enfoque fundamenta-se nas altas taxas de feminicídio em solo brasileiro.
Outro ponto que ganhou relevância nos últimos anos no cenário feminista foi a consciência de que o movimento, durante muitos anos, serviu prioritariamente às mulheres brancas das classes média e alta, e a concepção dessa problemática colocou em pauta a necessidade de uma “reformulação”.
Segundo Nathalia de Assis Silva, pedagoga e cofundadora da Revista Helenas, a mulher brasileira tem passado por uma trajetória de busca pela sua humanização, depois de séculos sendo sujeita à posição de objeto na sociedade.
“Acredito que seja um processo ainda humanizador, isto é, a mulher é objetificada, violentada, silenciada em diferentes esferas sociais e necessita de políticas que garantam o direito básico à vida e contra o feminicídio, que mata as mulheres pelo fato de serem mulheres (cis ou trans)”, diz a pedagoga.
Nathalia ainda menciona outros pontos que constituem pautas dentro da esfera feminista contemporânea. “Além disso, há a questão da diferença salarial, dedicação à maternidade e a perda de espaço profissional; a busca pelo direito ao aborto; a questão racial marcando uma divisão que assola mulheres pretas, sendo essas ainda mais marginalizadas; a visibilidade trans dentro do movimento feminista; a pouca ocupação em cargos políticos, o que reverbera na criação e/ ou fiscalização de medidas legais para as mulheres elaborada por mulheres”.
Ela conta que pôde ter um contato mais direto com o feminismo após ingressar na faculdade, onde teve a oportunidade de compartilhar suas vivências com as de outras mulheres de seu convívio, algo que a impulsionou a apoiar e fazer parte do movimento feminista, sobretudo no cenário desigual de hoje.
A violência contra a mulher
A violência contra a mulher

Estima-se que 1410 mulheres foram mortas em 2022 apenas por serem mulheres, de acordo com dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e do portal G1. Além desses números, um levantamento feito em novembro de 2022 pela Organização das Nações Unidas (ONU) verificou que a taxa de feminicídio no Brasil é uma das mais altas do mundo. Dessa forma, a violência contra a mulher é uma das mais preocupantes questões estudadas pelo feminismo brasileiro atual.
A violência contra a mulher brasileira se manifesta de diferentes formas, além da agressão física, como explica a linguista Francimeire Leme, também cofundadora da Revista Helenas, ao comentar sobre as razões que a levou a conhecer e participar do movimento. “Presenciei em mim e nas outras mulheres situações de violências machistas. Desde a desigualdade salarial, assédio moral e sexual, ausência de oportunidades em diversos tipos de trabalhos, obstáculos em iniciativas autônomas femininas, desvalorização profissional, objetificação do corpo feminino e naturalização do machismo. Tudo isso expresso dia a dia me levou a me organizar para reivindicar a igualdade de direitos e oportunidades às mulheres”.
Avaliando por essa perspectiva, é possível conceber que os desafios enfrentados pelas cidadãs do Brasil são plurais e partem de uma naturalização do ato de colocar o gênero em uma posição de passividade em relação às violências.
Nessa lógica, é determinante colocar em pauta a questão do alto número de casos envolvendo assédio sexual no Brasil. De acordo com a quarta edição da “Pesquisa Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizada pelo Instituto Datafolha e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 46,7% das brasileiras sofreram assédio sexual em 2022. Incluído nesse número, 12,8% das mulheres (correspondente a 8,2 milhões) passaram por assédio com contato físico no transporte coletivo.
Essas estatísticas apresentam, ainda, um aumento em relação ao ano anterior. Isso mostra que esse tipo de violência se tornou habitual ao longo dos anos, ocorrendo de maneira persistente em local público. Essa conclusão é validada pelo próprio FBSP: “o cenário trazido pela vitimização de mulheres que experimentaram alguma forma de assédio sexual aponta para a marca estrutural da violência de gênero, que vem persistindo ao tempo, atravessa o sistema jurídico-penal sem necessariamente ali encontrar solução e vem nefastamente naturalizando o abuso contra meninas e mulheres”.
O conteúdo discorrido representa alguns dos pontos que o feminismo recente coloca em relevância, e que se distinguem, de certa forma, da luta feminista dos séculos passados, que debatia outras questões, também significativas. Entretanto, um dos aspectos que permanece no debate feminista ao longo dos séculos é a percepção de muitas pessoas em relação ao movimento. Sobre isso, Francimeire argumenta que um dos maiores equívocos que as pessoas cometem quando pensam em “feminismo” está no significado que atribuem ao termo.
“Em geral, as pessoas tendem a pensar que o ‘feminismo’ é igual ao ‘machismo’. Ou seja, de que é uma luta em que as mulheres querem ser superiores aos homens. Isso é errado. O feminismo não é isso. O feminismo é a luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens, considerando que hoje não é assim. Os homens possuem privilégios sim, ganham mais, têm mais oportunidades, promovem a objetificação do nosso corpo, nos violentam. Por isso, o feminismo é necessário, para conseguirmos o direito sobre nosso corpo, sobre nossa vida, para viver sem medo”.
