Por Lívia Ghirardello – 09 de maio de 2023
O que antes se tornou conhecido pela criação de artes digitais, agora é capaz de reproduzir vozes humanas. Gravações de músicas com vozes de artistas populares – criadas por uma Inteligência Artificial – vêm ganhando popularidade nos últimos meses.

Do Jazz ao Rock ‘n Roll, uma mistura de artistas e composições: há versões de Kurt Cobain cantando “Like a Stone”, de Audioslave; Michael Jackson entoando “I Feel It Coming”, de The Weeknd; e, até mesmo, Frank Sinatra com “WAP”, de Cardi B. Nenhuma conta com autorização prévia dos artistas.
A clonagem de vozes de artistas para produções musicais tem se tornado uma aplicação da Inteligência Artificial (IA) cada vez mais relevante. Utilizando algoritmos de aprendizado para analisar suas vozes, é possível criar um modelo de linguagem capaz de replicar até os detalhes mais sutis do estilo de canto desse artista.
Uma vez que o modelo é treinado com dados de áudio e texto, pode ser usado para criar faixas musicais com as vozes clonadas. Esta técnica vem sendo utilizada para gerar músicas póstumas de artistas falecidos como Amy Winehouse e Tupac Shakur (2Pac), além de permitir a criação de covers e remixes com vozes de músicos consagrados.
No entanto, o uso desta ferramenta levanta questões éticas e legais. De acordo com o músico e produtor Eduardo Kusdra, a Inteligência Artificial “tira o elemento principal da arte, que é o talento do artista”. Ele explica que “em relação à criatividade é algo quase maligno. O ser humano criou a IA e, paralelamente a isso, ele se isola, isola a capacidade técnica, artística e criativa dele próprio”.
Alguns críticos ressaltam o risco que a ferramenta traz à originalidade das criações musicais. Segundo Eduardo, a Inteligência Artificial precisa de um breque. “Se não houver um freio em relação a IA na música, ela não vai só colocar em risco, ela vai completamente anular a criatividade e a originalidade das criações. Um produtor vai clicar lá e, em 2 segundos, vai ter um disco pronto”.
Embora muitos vejam essa tecnologia como uma revolucionária forma de entretenimento para os fãs, há um persistente debate acerca dos impactos negativos que esta ferramenta pode ocasionar. Segundo o produtor musical Jeferson Basso, um viés negativo seria o ócio provocado pela facilidade relacionada ao processo da criação musical. “A ferramenta te gera esse conforto de não ter mais que compor mas, a longo prazo, isso pode se tornar um costume para a humanidade”, complementa.
Sendo uma grande divisora de opiniões, a Inteligência Artificial preocupa o público e profissionais da área que acreditam que a ferramenta possa tomar o lugar de artistas no mundo musical. Afinal, a mesma é capaz de criar músicas inéditas, como, por exemplo, a faixa “Daddy’s Car”, criada pela equipe da Amper Music, uma empresa que utiliza esta tecnologia para criar músicas personalizadas.
Ainda de acordo com Jeferson, porém, não há motivo de preocupações, visto que esta tecnologia não será capaz de limitar a criatividade humana pois, em suas palavras, “É um viés biológico. O ser humano tem que se expressar de alguma forma, trabalhando, criando artes, criando hobbies. O tempo todo somos estimulados a criar algo”, além de faltar em um fator crucial aos seres humanos: a emoção. “A máquina não consegue simular emoção na música. A longo prazo, creio que será uma tecnologia que ficará lado a lado com o ser humano, não substituir de fato”, finaliza.
“Além disso,” complementa, “tem uma coisa que a IA não consegue fazer, que é a história. Se você pegar a história do Michael Jackson como um todo, a gente acaba comprando a música dele porque sabemos que ele começou desde criança, criou um império e virou o rei do pop. Então história é algo que o ser humano compra muito. Isso a IA não consegue, por mais que ela crie um produto final polido, não tem alma”.
Apresentando uma bagagem de inovações e preocupações, a Inteligência Artificial gera discussões sobre maneiras de minimizar seus impactos negativos e, ao mesmo tempo, permitir que o público desfrute de suas tecnologias. Como relata Eduardo Kusdra, “a única maneira para conseguir proteger os dois lados, tanto o consumidor como o artista e proprietário intelectual da obra, é lei. Ninguém quer ser roubado. Nenhum arquiteto no mundo quer que alguém roube a planta dele e venda para outra pessoa em nome próprio. O músico também não quer que isso aconteça”.
Jeferson explica também que “para manter isso caminhando de maneira saudável, as produções têm que acontecer sim com a IA. Enxergo que a IA é a novata, que tem que ganhar seu espaço (o qual inevitavelmente vai) e, para criar esse equilíbrio e tudo mais, creio que só com o tempo”.
A clonagem de vozes de artistas por Inteligência Artificial é uma tecnologia em ascensão, dividindo opiniões e gerando debates numerosos acerca de suas consequências no mundo musical. Ainda assim, é inegável que a IA vem revolucionando este setor, abrindo caminhos inovadores para novas formas de expressão artística. O futuro da música, portanto, é incerto, mas uma coisa é certa: a Inteligência Artificial veio para ficar e já está transformando a forma como consumimos e criamos música.
