Para a psicóloga Gabriela Braga, ataques em escolas são apenas a ponta do iceberg de um problema estrutural
Por Ingrid Khiara e Sofia Azenha
O senso comum afirma que “tudo na vida tem seus prós e contras”. A partir de tal lema, pode-se estabelecer uma associação com a vida virtual: a internet traz muitas inovações, mas estas são acompanhadas, muitas vezes, por uma mídia obscura, mas não oculta, com poder de persuasão e violência. Nos últimos tempos, principalmente depois que quatro professoras e um aluno foram esfaqueados dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, o consumo de conteúdos virtuais tem gerado muita discussão.
Do ponto de vista negativo, a divulgação de ideias e mensagens nas mídias é o início para o estabelecimento de um “ciclo” que envolve o sentimento de pertencimento, ódio e os episódios ultrapassam as webs, chegando em atos de agressão.
“Se fizermos uma associação comparando o Brasil a um bolo, a violência não seria apenas uma cobertura que conseguimos isolar do resto do bolo, a violência seria o trigo, constituindo o próprio bolo. Por isso, o problema da violência é mais profundo que as redes sociais, as quais somente manifestam essa violência existente”, declarou Gabriela Braga, psicóloga especialista em adolescentes e crianças.
Especialistas acreditam que essas manifestações promovem a criação de grupos que ativam e intensificam pensamentos hediondos. Em seguida, para se sentir pertencente a um círculo social, ascender em tal “bolha” e ser idolatrado, o indivíduo determina como essencial a prática de atos violentos que atraiam a mídia e impactem o público.
Por fim, esses protagonistas são vistos como heróis, ganhando likes e seguidores que compactuam com as ideias extremistas e o ciclo volta a se repetir. “Foi visto que os grupos extremistas realizam competições para uma maior atenção na mídia, incentivando ações cada vez mais violentas para terem essa atenção”, ressalta Gabriela.
Um caso que pode exemplificar tal relação cíclica é o atentado ocorrido na Escola Estadual Thomazia Montoro, no mês de março, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo. O ataque foi executado por um adolescente de 13 anos que matou a facadas a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, e deixou outras quatro pessoas feridas.
O autor do massacre, em suas redes sociais, afirmou que o bullying o “perseguia a vida toda”:

Para encontrar um determinado “refúgio” para o bullying, o adolescente passou a participar de grupos extremistas. Através de publicações, evidenciou-se a admiração do jovem pelos assassinos de Suzano, os quais mataram sete pessoas em uma escola da cidade.

Além da referência feita no nome de perfil, esse fascínio foi materializado no uso de uma bandana preta com estampa de caveira, que, assim como a usada em Suzano, simboliza os ideais dos supremacistas americanos e está presente em seriados como American Horror Story. No seriado, o personagem que usa a máscara é o fantasma de um adolescente morto por policiais após atacar a escola onde estudava.

Após o atentado, perfis da comunidade True Crime – que se expressa por #TCCTWT no Twitter e que publica mensagens de apoio a autores de chacinas em escolas – começaram a deletar suas contas e alguns tweets que faziam apologia a violência. Tal tática expõe a tentativa de apagar rastros e se manterem impunes. Porém, há quem continue enaltecendo os personagens de ataques.
Alguns veem como alternativa o fim das plataformas virtuais- o Twitter, por exemplo. No entanto, há diversas formas de interação e recrutamento nas redes, como o uso da plataforma Discord, TikTok e jogos online.
“Grupos extremistas violentos utilizam de jogos como Roblox, Fortnite, Minecraft para uma disseminação de pensamentos violentos. Como os jogos são espaços que não há registros das mensagens, a identificação desses grupos é dificultada”, defende a psicóloga.
Algumas redes se pronunciaram sobre o assunto. O WhatsApp, por exemplo, declarou que “encoraja que as pessoas reportem condutas inapropriadas diretamente nas conversas, por meio da opção “denunciar” disponível no menu do aplicativo (menu > mais > denunciar) ou simplesmente pressionando uma mensagem por mais tempo e acessando menu > denunciar”.
Já a Meta informa que “disponibiliza ferramentas para apoiar pais e responsáveis a supervisionar e guiar a experiência de seus filhos adolescentes em nossos aplicativos, disponíveis na Central da Família”. A plataforma explica que “os recursos ajudam os pais no controle parental para que possam conversar com os jovens sobre o que estão consumindo online”. Em nota, o TikTok explica que “não há espaço para extremismo violento no TikTok, e trabalha continuamente para remover qualquer conteúdo e indivíduos que prejudiquem a experiência criativa e alegre que as pessoas esperam em nossa plataforma”.
Diante disso, percebe-se na sociedade o estabelecimento de um ambiente propício à reflexão e à discussão sobre a predisposição à violência pela população jovem e o aumento na velocidade da disseminação de ideologias extremistas nas redes.
“O que devemos reivindicar é que as próprias redes sociais criem políticas que não permitam o uso da rede para essa finalidade. Podemos auxiliar denunciando conteúdos de violência e não compartilhando esses conteúdos. Além disso, o uso das redes sociais deve ser orientado para que as crianças e adolescentes compreendam como usar essas formas de comunicação”, reitera Gabriela.
