Como a exposição midiática a conteúdos violentos e a falta de intervenção parental atrapalham o desenvolvimento da população infantojuvenil

Por Gabriela Bita e Luísa Tabchoury
A violência nas escolas brasileiras se tornou um tema recorrente nas últimas semanas devido a onda de ataques que ocorreram desde agosto do ano passado. Um dos casos mais relevantes aconteceu no último mês, no qual um jovem de 13 anos atacou uma professora e um grupo de alunos com uma faca.
Estes atos estão diretamente ligados à facilidade do consumo digital e à variedade de conteúdos expostos aos usuários, principalmente imagens e vídeos que espetacularizam a violência física. Logo, a fronteira entre a violência e o entretenimento fica vulnerável.
A professora Júlia Dias, da rede de ensino estadual de Santa Bárbara d’Oeste, afirma que a absorção pelos usuários das redes “acontece de uma forma natural” e eles “não percebem que há uma violência na fala, no gesto e na ideia transmitida”.

Especialistas concordam que o sensacionalismo na divulgação incentiva e inspira indivíduos que não conseguem filtrar tais materiais a reproduzirem e proporcionarem novos ataques baseados nos atos vistos anteriormente.
Para a psiquiatra e psicoterapeuta Marcela Moura, de Piracicaba, interior de São Paulo, o uso inadequado deste material por crianças e adolescentes compromete o entendimento do mundo destes futuros cidadãos. “Quanto mais conteúdo impróprio consumido, maior a chance de a criança assimilar isso como aceitável e possível e menos chances de contornar esta situação”, afirma.
Além disso, “o desenvolvimento da criança pode ser impactado caso expostas a estes conteúdos sem a devida supervisão e orientação dos responsáveis para ajudá-los a entender que aquele não é um jeito adequado de se expressar ou resolver um conflito, por exemplo”, diz Marcela.
A concentração e o foco também são comprometidos. A professora Júlia comenta sobre suas dificuldades em sala de aula e diz que seus alunos “não tem mais paciência pra nada”.
Para mediar esta relação entre jovens e a internet, ambas especialistas destacam o papel da família como responsáveis na intervenção do vínculo entre a infância e o digital. Moura evidencia as devidas ações a serem tomadas, como “delimitar critérios para o uso de eletrônicos, verificar quais são os conteúdos de interesses e identificar quais são os modelos/influencers”.
Porém, é visível que a cultura da violência acaba isolando e rompendo laços familiares dos sujeitos. Júlia comenta que o processo leva os pais a desconhecerem “o perfil de um filho” e não terem a chance de “conversar e manter um diálogo com a criança/adolescente”.
A busca pela validação e reconhecimento faz parte do desenvolvimento de qualquer ser humano e, na era digital, essa procura pode acontecer de “forma equivocada, imprópria e, às vezes, nociva”, considera a psiquiatra. “Quanto mais repercussão e reconhecimento é dado a comportamentos impróprios, mais suscetível e vulnerável esta criança se torna, sempre buscando essa atenção negativa para suprir suas necessidades carentes”, conclui.

O problema já ganhou espaço na TV. Na telenovela “Travessia”, apresentada pela Rede Globo, a personagem Theo possui um transtorno chamado dependência digital, um vício bioquímico que afeta o comportamento dos indivíduos de forma agressiva e pode desencadear um quadro de ansiedade, depressão e abstinência.
A professora Júlia ressalta a importância da abordagem deste assunto: “Há pais e responsáveis que não têm esse entendimento de que a internet um dia pode se tornar um vício”.
