
Por Isabela Sanches e Julia Ferreira
O aumento na frequência de casos de massacre em escolas no Brasil tem gerado pânico tanto nos estudantes quanto em suas famílias. O caso mais recente foi registrado em abril de 2023, em Blumenau, Santa Catarina, onde um homem de 25 anos assassinou quatro crianças e deixou mais cinco feridas. Pesquisadores e policiais investigam quais os fatores determinantes que levam os jovens a cometerem tais crimes. O Jornal Contexto preparou um histórico dos principais massacres ocorridos no país, para entender a sucessão desses eventos ao longo dos últimos vinte anos.
Massacre em Realengo (RJ)
No dia 07 de abril de 2011, a escola Tasso de Oliveira (Realengo, Rio de Janeiro) comemorava seus 40 anos quando foi atacada por um ex-aluno, que assassinou 12 crianças e marcou o primeiro massacre em uma instituição de ensino no Brasil.
Naquele dia, a escola receberia ex-alunos que comentariam sobre suas experiências após terminarem os estudos. O atirador, que de acordo com a Coordenadora da escola, havia ido até o local anteriormente solicitando um documento, passou sem dificuldades pelo portão principal e subiu até o primeiro andar, parando na sala de leitura para conversar com uma professora. Depois, foi até o segundo piso, voltou para uma classe do primeiro andar e sacou dois revólveres, começando a atirar.
Os alunos, assim que ouviram os tiros, fugiram de suas salas com a ajuda de alguns professores, que aproveitavam o momento em que o homem recarregava as armas para formarem barricadas e impedi-lo de entrar em mais classes. Os sobreviventes relataram que o atirador mirava na cabeça das meninas e no corpo dos meninos, deixando claro que a intenção de matar era direcionada a um único gênero.
As autoridades que faziam ronda pela região souberam do ocorrido por um aluno baleado que conseguiu fugir e foram até o local, atirando contra o assassino assim que o encontraram. Foram desferidos tiros em sua perna e abdômen. O homem, já no chão, atirou em sua própria cabeça.
O assassino, antes de cometer tais atrocidades, escreveu uma carta alegando ser vítima de bullying em seus anos de escola. De acordo com a polícia, o atirador não possuía vínculo com grupos extremistas e planejou o ataque sozinho.
A docente Nilma Renildes da Silva, professora de psicologia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), afirma que “esse tipo de evento é totalmente fora da curva. Ele não é bullying. O bullying pode até ser uma das causas que levam algumas dessas pessoas a fazerem o que elas fizeram, mas é um fenômeno que vem sendo estudado diferentemente do bullying. Então, a gente não classifica este tipo de evento como bullying. A gente tem que dar o nome que eles têm: são massacres, atentados à escola e à democracia”.
Massacre do Goyases (GO)
No dia 20 de outubro de 2017, um adolescente de 14 anos realizou um massacre em uma escola particular de Goiânia. Aluno dessa instituição, o autor do crime estava no 8º ano e no dia do ataque, atirou em seus colegas de classe com uma pistola.
Durante um intervalo entre as aulas e com todos dentro da sala, o assassino levanta e começa a atirar para todos os lados, atingindo de forma fatal dois de seus colegas e ferindo outros quatro, os quais foram encaminhados para a emergência e se recuperaram.
O atirador, pronto para continuar o massacre após recarregar a arma, foi convencido pela coordenadora a sair da classe. Ela o levou para a biblioteca, e durante todo o percurso se posicionou na frente da arma para que não houvesse mais feridos. Ela conseguiu o convencer a travar a arma e os dois esperaram pela polícia.
Durante as investigações, o autor do crime afirmou que sofria bullying em sala de aula e, como represália, passou dois meses planejando a ação. Ele se inspirou nos massacres de Columbine, nos Estados Unidos, e Realengo, no Brasil, e utilizou uma arma trazida de casa para realizar o ataque. Filho de policiais militares, o menino soube encontrar a arma da mãe.
O inquérito cita que desde a infância o autor do crime tinha atitudes agressivas e um certo apreço por temas violentos e massacres. A polícia encontrou em seu quarto desenhos relacionados ao nazismo e livros que faziam referência ao extermínio. Com isso, foi levantada a hipótese de que o bullying relatado foi usado como um “pretexto superficial” para o ataque.
Após a chegada das autoridades, ele foi apreendido na Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai) e internado provisoriamente após o decreto de uma juíza. No dia 28 de novembro do mesmo ano, a justiça condenou o assassino a três anos de internação (pena máxima prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente).
Em maio de 2020, cinco meses antes do término de sua condenação, ele foi liberado. O caso corre em segredo de justiça e a liberação antecipada não foi justificada. “Devemos começar a pensar em quem é esse indivíduo, como ele foi educado? Quais foram as instituições sociais e grupos sociais pelos quais ele passou?” aponta a psicóloga.
Ela explica ainda que é preciso perguntar sobre “quais foram os resultados oferecidos a esse sujeito cada vez que ele apresentou um problema, se é que se percebeu que ele apresentava problemas? Porque uma criança ou um adolescente que fica horas na frente de um computador ou de um celular, e os familiares e outros adultos no entorno não percebem que ele está ficando muito tempo colado em um só tipo de informação, é problemático”.
Massacre de Suzano (SP)
No início da manhã do dia 13 de março de 2019, dois ex-alunos atacaram a Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano. Sete pessoas foram mortas durante o massacre, 11 foram feridas e encaminhadas para o hospital.
A manhã de violência começou antes mesmo dos dois entrarem na escola. O assassino mais novo, de 17 anos, entrou na loja de automóveis de seu tio e atirou nele à queima roupa. Um dos tiros atingiu seu peito e o homem foi levado ao hospital, mas não resistiu.
Após matar o tio, o assassino mais novo se encontrou com o mais velho, de 25 anos, e os dois foram em direção à escola. Já na entrada, os criminosos atiraram em duas funcionárias e foram para o pátio, onde dispararam contra mais quatro alunos do Ensino Médio.
Foram encontradas na cena do crime as diversas armas que eles usaram e pretendiam usar durante o massacre: um revólver, dois tipos de arco e flecha, coquetéis molotov e um machado preso na cintura de um dos autores. Essa última arma foi utilizada para ferir as pessoas que estavam fugindo pela porta principal.
Com a chegada das autoridades, o mais novo atirou no mais velho, matando-o, e logo em seguida, cometeu suicídio. A morte dos dois já tinha sido firmada em um acordo durante o planejamento do ataque, que segundo o inquérito policial, acontecia desde 2015.
A elaboração do ataque foi feita principalmente pelo atirador mais novo e por um “autor intelectual” de 17 anos, que não participou diretamente do ataque. Um ano depois, o atirador mais velho se juntou ao grupo e os três começaram a elaborar o crime. Eles pretendiam realizar o ataque de forma semelhante ao que aconteceu em Columbine e visavam superá-lo. A partir de 2018, eles começaram a comprar as armas e montar o seu arsenal.
O “autor intelectual” foi internado provisoriamente por 45 dias em uma unidade da Fundação Casa e o processo seguiu em segredo de justiça. Foram presos também as pessoas que forneceram as armas para os assassinos.
Ataque em Barreiras (BA)
Na manhã do dia 26 de setembro de 2022, enquanto os alunos entravam na escola para um dia de aula, um adolescente de 14 anos, portando uma arma e um facão, disparou tiros contra os estudantes e atacou uma jovem cadeirante.
De acordo com os policiais, o adolescente, que invadiu a escola pulando um muro, portava armas brancas, um revólver e uma espécie de bomba caseira. O assassino chegou no local atirando, o que assustou os alunos e fez com que fugissem da escola. O atirador se aproveitou da incapacidade de resistência e desferiu golpes de faca contra a jovem cadeirante de 19 anos, que morreu no local.
A investigação aponta que o crime foi planejado durante algum tempo. Postagens em suas redes sociais denunciavam que ele estava se preparando há três anos para o ataque, e que pretendia matar quantas pessoas fosse possível.
A arma usada no ataque era do pai, mas o mesmo afirma que não entende qual foi a motivação para o crime e que o jovem “era um bom menino.” Ainda de acordo com o pai, o garoto era “antissocial e possuía dificuldade para fazer amigos”, mas não demonstrava comportamentos violentos.
Sobre as motivações, Nilma afirma que “são múltiplos os fatores que a gente pode listar como causa desses fenômenos. Eu penso que é um equívoco e um perigo quando a gente deixa recair sobre apenas dois fatores, que são pessoas que sofreram bullying ou as questões parentais”.
O atirador foi baleado, mas a polícia não tem respostas sobre quem atirou contra o jovem, que foi socorrido e levado ao Samu logo depois. Não há informações sobre seu estado médico, mas o delegado Rivaldo Luz, responsável pelo caso, afirma que após receber alta, o assassino continuará apreendido.
Diante disso, a especialista propõe uma reflexão sobre quais são, de fato, as motivações para esses crimes. Ela acredita que é uma situação que ultrapassa o núcleo familiar e o indivíduo em si, além de questionar o apoio que as famílias recebem, a formação euro centrada da sociedade, a falta de políticas públicas na área de educação e a forma que os educadores e educadoras são tratados pelo Estado.
“Não existe uma causa. Existem muitos fatores e a gente precisa de uma série de trabalhos que precisam ser feitos para a gente diminuir a violência na sociedade”. Ela também lembra que “o capitalismo e violência são sinônimos, porque você tem uma classe que domina a outra, expondo a violência estrutural”, finaliza a professora.
