Por Isis Bianco

Há 45 anos estreava um dos clássicos da ficção científica: Star Wars – Uma Nova Esperança chegou aos cinemas em novembro de 1977 e foi um sucesso de bilheteria conquistando uma legião fiel de fãs por todo o mundo. A trama gira em torno de um trio carismático cujo objetivo é derrotar o império e restaurar a liberdade e a justiça na galáxia. Apesar de apresentar um enredo simples, a história de Luke, Leia e Han Solo, atualmente composta por 9 filmes e alguns spin-offs, bebe da fonte dos regimes totalitários do século XX para criar o seu lado sombrio da força, mesmo que grande parte do público não perceba essa relação.

Rafael Lancellote, filósofo, sociólogo, professor formado pela Universidade de São Paulo e fã de Star Wars, comenta que antes de ingressar na faculdade não tinha identificado as relações entre a obra e antigas mazelas que marcaram a nossa sociedade e continuam a nos assombrar. “Quando você pensa no papel da indústria cultural e no seu caráter alienante há uma certa contradição já que narrativas como Star Wars, por exemplo, envolvem certas incoerências do capitalismo e críticas ao totalitarismo e isso que é interessante mesmo que atualmente eu ache muito difícil que o público geral faça essas relações nos filmes, séries, quadrinhos, etc”. De encontro às afirmações dadas pelo professor temos o relato de Sabrina de Morais Andrade, jornalista formada pela Casper Líbero: “nunca fiz essa relação sozinha, apenas durante o ensino médio que tive um maior percepção sobre esses assuntos”.

Não é apenas nas narrativas sobre galáxias muito distantes que encontramos traços da nossa própria história. Entre 1986 e 1987, o quadrinista Alan Moore lançou um de seus trabalhos mais conhecidos, onde a história se passa nos Estados Unidos durante a Guerra Fria e acompanha um grupo de vigilantes que buscam respostas sobre a morte de um antigo colega de equipe. Assim como Star Wars, Watchmen também possui uma base diversificada de admiradores, mesmo que pelos motivos errados. Muitos personagens de títulos famosos da cultura pop foram subvertidos e transformados em símbolos de grupos neofascistas como aconteceu com o personagem Rorschach e seu discurso simples porém antigo de que o mal deve ser punido, o vigilante tornou-se símbolo de supremacia branca, inclusive retratado na série de mesmo título lançada em 2019.

Sobre essa inversão de valores, Rafael explica que ela “reflete e muito o espírito da época em que vivemos, com a desconstrução de paradigmas historicamente construídos, onde você se vê livre para interpretar a história, seja ela real ou fictícia, de acordo com o seu referencial ideológico”.

Em seu texto “A nebulosa fascista” publicado em 1995, Umberto Eco afirma que os ideais fascistas ressurgem de maneiras diferentes em épocas diferentes devido ao fato de apresentar um discurso extremista de fácil compreensão. Por sua vez, a cultura pop cria vilões e anti-heróis fundamentados em ditadores reais que passaram pela nossa história e cujos fundamentos são sustentados por grupos de extrema-direita até os dias atuais. “É assim que nascem os fãs de Darth Vader”, afirma o professor.

Outro exemplo muito repercutido nas redes sociais desde o seu lançamento é a série The Boys. Baseada nos quadrinhos de mesmo nome, a história acompanha uma equipe de justiceiros que luta contra indivíduos superpoderosos que abusam de seus poderes. Satirizando os clássicos filmes e quadrinhos de super-heróis, The Boys cria seus personagens baseados em nomes já conhecidos pelos fãs de cultura pop, como Os Sete, uma versão sarcástica da Liga da Justiça, e seu líder, o Capitão Pátria. Assim como muitas obras, The Boys também foi apropriado por grupos extremistas. Durante a invasão ao Capitólio pelos apoiadores do ex-presidente Donald Trump em 2020, era possível encontrar em meio a multidão um homem vestido de Capitão Pátria usando uma máscara do rosto de Trump.

Entretanto, o problema não está só na livre interpretação de narrativas que toma conta desta década, a forma como certos valores morais e políticos são glorificados no audiovisual remete aos grupos de extrema direita e aos regimes totalitários encontrados em nossa história e o audiovisual brasileiro não escapa dessa lógica.

Amado por muitos e considerado uma das melhores produções fílmicas do cinema brasileiro Tropa de Elite, obra dirigida por José Padilha que acompanha o Capitão Nascimento e as barbaridades do mundo do crime e do sistema policial, tornou-se o símbolo dos movimentos radicais da direita brasileira justamente por espetacularizar a violência policial criando armadilhas semiótica que, ao invés de colaborarem para a crítica do filme, acabam reforçando os pensamentos obscuros da classe conservadora. 

Sobre este assunto, o professor completa: “A política é fundamentalmente afetiva, o fascismo é uma força política que mobiliza os afetos e o brasileiro é, antes de tudo, um ser afetivo, por isso que discursos totalitários tornam-se altamente sedutores para a sociedade brasileira”. Ou seja, para nós que moramos em um país assolado por profundas desigualdades sociais e marcado por períodos históricos incoerentes, os acontecimentos do dia a dia parecem um roteiro de ficção.

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