Giovanna Novaes

Em entrevista, a fundadora do coletivo Juntos e Juntas Bauru e co-fundadora e sócia do grupo “Formando Mentes Coletivas”, Tetê Oliveira, fala sobre política, movimentos populares e sua atuação nas lutas sociais.

Contexto:É possível afirmar que existe uma falta de incentivo para uma maior organização da esquerda brasileira, muitas vezes gerada por falta de verbas e medo de represálias por parte do estado? 

Tetê: O que realmente acontece é um sistema que acaba, propositalmente, impedindo que os trabalhadores se organizem. Não há tempo. Nós precisamos comer, precisamos trabalhar, se a gente para, eles nos demitem. Se nos demitem, no outro dia tem outra pessoa no lugar. Isso não quer dizer que a periferia não esteja se organizando, que não haja trabalho de base, coletivos, entre outras coisas. A gente tem que fazer vaquinha para realizar atos. Tudo custa dinheiro (bandeiras, cartolina, chegar até o local), mas, mesmo não existindo tal incentivo, não quer dizer que não esteja acontecendo. A informação está chegando. A gente viu que nessa última eleição nós tivemos mais representatividade. É um novo governo. A informação está chegando na periferia, a informação está chegando na quebrada.

Contexto:Qual é a importância dos sindicatos e movimentos populares na luta pela democracia?

Tetê: O sindicato está envolvido com a classe trabalhadora, é o órgão que dispõe de recursos  para fazer essas mobilizações e movimentos. É deveras importante saber usar a mídia, saber se aproximar da periferia, dos movimentos da cidade. É extremamente importante essa força, a força de todos, porque ninguém faz nada sozinho, é tudo em coletivo.

Contexto: Qual é a sua opinião acerca dos acampamentos bolsonaristas montados por todo país? Já que estes ficaram em pé por mais de 70 dias, supõe-se que houve algum tipo de patrocínio para tal. Você imagina qual é o verdadeiro interesse político de quem está por trás de tudo isso?

Tetê: O que existe, de fato, é um interesse político e econômico por parte dos bolsonaristas, que querem sempre lucrar em cima da periferia, das minorias, como eles dizem. Eles sabem que seus seguidores usam as redes sociais como jornal e jogam enxurradas de fake news. O episódio do dia 8 foi consequência de inúmeros fatores. O Bolsonaro deveria ter sido preso quando ele fez a homenagem ao Ustra, no impeachment da Dilma, e não foi isso que aconteceu. Então, existe, sim, um interesse político e econômico por parte da chamada  “bancada da bala”.

Contexto: É nítida a diferença de abordagem por parte da polícia quando se trata de atos/manifestações promovidos pela direita e pela esquerda (mesmo que pacíficos). Por que isso acontece?

Tetê: O episódio do dia 8 deixou bem claro como é a diferença de abordagem da polícia com a elite e com a periferia. Na periferia, ela chega atirando, é sempre o mesmo tom de pele que ela acerta, sempre somos nós, negros. Isso apenas confirma o que  sempre dizemos, o que a esquerda sempre está dizendo, quem a polícia realmente defende. A polícia civil de são Paulo é a que mais mata jovens negros. Esse é um sistema que foi feito para nos matar mesmo

Contexto: Tetê, você sendo uma mulher preta, militante, PCD e LGBTQIAP+, você consegue mensurar a importância da atuação desses grupos na vida política? Como fazer essas vozes serem genuinamente ouvidas?

Tetê: Bom, sou filha de empregada doméstica, mulher, negra, lésbica e PCD. Eu, quando criança, jamais conseguiria visualizar uma médica, uma advogada ou uma atriz fazendo o papel principal na novela, simplesmente por ser negra. Não existia essa representatividade que hoje a gente tem, e isso só é possível através de muita luta, de muitas políticas, de muitas discussões, e, apesar de nós (negros) sermos a maioria no país, não é isso que a gente vê. A gente não vê isso nas universidades, a gente não vê nos principais cargos. E é extremamente importante a nossa voz estar em todos os lugares, não só na comunidade negra, na comunidade LGBTQIAP+, PCD, mas em todas, porque nós somos cidadãos, eu sou uma cidadã. A gente tem que discutir todas políticas porque também são feitas para nós. Se nós precisamos, por que não estamos lá? Por que tem que ser sempre uma galera de colarinho branco com mais de sessenta anos decidindo por mim? Não me viu, não conhece a minha quebrada, não conhece o meu bairro, não conhece a minha cidade. Então,  a gente precisa sim ecoar, falar, nós precisamos ser ouvidos. O cenário está mudando em passos lentos, poderia ser um pouquinho mais rápido, mas a gente chega lá.

Contexto: O que você diria para alguém que queira contribuir para a construção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa? Qual é o caminho para começar a se organizar politicamente?

Tetê: Primeiramente, nada se faz sozinho, sabe? Eu levo isso pra vida. É sempre em coletivo, precisamos de mais pessoas. Para mudar o mundo, primeiro você precisa mudar dentro de si. E estudar! Não se pode parar de estudar. Nunca ache que você sabe tudo sobre aquele assunto. Hoje a gente vê muitos que fizeram “mestrado” no Facebook, espalhando fake news. Então nós precisamos tomar muito cuidado com o que postamos, com o que falamos, porque a gente pode também estar compartilhando e espalhando notícias falsas, ou até criando um mundo paralelo, que não existe. É isso. Nada se faz sozinho. Não ache que você vai conseguir mudar o mundo sem ajuda. Um apoio crucial é o da família, não só a de sangue, mas de irmãos, parceiros e amigos, isso é muito importante

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