Nas redes sociais, crianças têm perdido sua essência e crescido antes do tempo, devido à superexposição

Por Letícia Rocha

Reprodução: Mago da Tecnologia

“A formação do caráter da criança vai até aproximadamente oito anos, nessa fase tudo o que é absorvido, aprendido, vivenciado, experimentado e os exemplos dados, contam muito. Então quando essa criança passa muito tempo mexendo em eletrônicos e navegando na internet, ela acaba absorvendo os contextos ali presentes e levando-os para sua realidade de vida, como uma espécie de espelho”.

Lóren Almeida, psicóloga clínica cognitivo-comportamental.

Durante toda a Era Medieval e em alguns anos posteriores a ela, a infância ainda não era reconhecida. As crianças não possuíam direitos estabelecidos, o que jamais as permitiam ser diferenciadas dos mais velhos. A partir de uma Convenção, em 1989, houve o surgimento da Comissão dos Direitos da Criança, que passou a buscar defender os direitos e as garantias para o bem-estar dos menores. Na Convenção, ficou decidido então que as crianças passariam a ser reconhecidas como sujeitos de direitos no Brasil, estes que foram de fato consagrados em 1990, a partir do surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.

Segundo as novas regras atribuídas ao âmbito social pelas leis, ficou estabelecido aos pais que eles, em exercício, deveriam proteger seus filhos durante a fase de maior desenvolvimento cognitivo, intelectual e físico da vida. Tais períodos compreendem a infância, pré-adolescência e adolescência propriamente dita.

Com o passar dos anos, a tecnologia vem ganhando cada vez mais espaço na vida das pessoas, o que torna o contato entre o universo digital e os seres cada vez mais direto e frequente. Apesar de muito se comentar sobre os benefícios da internet na vida da população, os riscos ainda são pouco divulgados. As crianças, por sua vez, não escapam das estatísticas, uma vez que estão cada vez mais vinculadas ao uso excessivo de telas, acesso às redes sociais e exposição aos perigos que podem ser oferecidos.

Cristiane, Bruna e Lígia são mães de crianças na faixa etária de 02 a 12 anos. Em uma conversa, as três afirmaram permitir que seus filhos possuam dispositivos de acesso à internet, como tablets ou smartphones, mas esclareceram que tudo é acessado com uma constante supervisão do aparelho e seleção de filtros por parte dos pais. Ambas também afirmaram permitir o uso apenas em horários oportunos, sendo que o acesso possui uma quantidade de tempo controlada e específica, a fim de que se evite o vício e se preserve a essência das crianças, estimulando-as a brincarem com seus brinquedos e fazerem apenas coisas que crianças devem fazer.

“O ideal é que a criança enquanto criança não tenha esse acesso livre, os pais devem monitorar e trabalhar com um método de acesso supervisionado. Essa supervisão dos pais se faz necessária, pois apenas eles poderão filtrar e avaliar o que é correto e seguro ou não, porque esse universo deixa a criança completamente vulnerável”, opinou, com base em seus conhecimentos, explica a psicóloga Lóren Almeida.


A relação das crianças com a internet expressa em dados.
Reprodução: Poder 360

As redes sociais vêm sendo um ponto de muito debate quando se trata da utilização destas por crianças. Porém, não foram apenas elas que abriram as portas para a adultização precoce dos pequenos. Um exemplo prático seria a adolescente MC Melody. Ao acessar seus conteúdos publicados, em sua maioria no YouTube, jamais se imagina que a menina nasceu no ano de 2007.

Com maquiagens e roupas provocantes, a garota coleciona mais de 3.33 milhões de inscritos no canal, além de 27 milhões de visualizações em sua música “Vai rebola”, ainda lançada durante sua infância. O caso gerou, e ainda gera, muita polêmica pelo fato de que seu pai e produtor, conhecido como MC Belinho, foi quem estimulou o caminho seguido pela filha e permitiu até os dias de hoje a publicação de postagens de teor adultizado, muitas vezes com apelo sexual.

De acordo com um artigo publicado por Ana Carolina Brochado Teixeira, doutora em Direito Civil pela UERJ, e Filipe Mendon, doutorando e mestre em Direito Civil pela UERJ, “se é certo que aos pais incumbem deveres de proteção da infância e da adolescência, sendo os filhos famosos ou não, é mais certo ainda que não deve caber aos pais promover por conta própria uma erotização precoce de seus filhos por meio da exposição que fazem ou permitem que seja feita deles nas redes sociais e na internet de um modo geral”.

O TikTok vem sendo o aplicativo mais instalado e utilizado nos últimos anos, sua popularidade ganhou força durante a pandemia e, desde então, o aplicativo vem colecionando cada dia mais usuários. Bruna não o vê como uma ameaça direta para sua filha, na realidade, ela afirma que “o TikTok virou uma febre e se tornou uma plataforma de classificação para todos os públicos com dancinhas, receitas e dicas de casa. Acredito que não seja tão agressivo assim, costumo classificar a faixa etária dos conteúdos e vez ou outra o libero para minha pequena”.

Em contraponto, Lígia declarou que detesta o aplicativo e que sua filha, que já possuiu um perfil na rede, não tem mais autorização para acessar o aplicativo. Ela conta que teve muitos problemas com os vídeos consumidos, pois tinham teor depressivo, o que influenciou no desencadeamento de crises de ansiedades por parte de sua filha. A mãe da pré-adolescente de 12 anos ainda alertou outros pais para que tenham cuidado com seus filhos, uma vez que o aplicativo dispõe de uma série de vídeos que desafiam muitas vezes até a vida dos menores.


Desafio do aspirador de pó que consiste em colocar alguém no saco de lixo e sugar todo o ar viraliza no TikTok.
Reprodução: Notícias R7

Acerca da problemática das “dancinhas” do TikTok, a psicóloga Lóren opinou que “o ideal seria que as crianças não fizessem danças eróticas e, nós sabemos que a maioria das danças apresentam letras de músicas e também a própria

coreografia em si com uma vertente muito erotizada e muito focada no sexo, nos processos de relacionamento e afins”. Ela explica ainda que na maior parte das vezes a criança faz a dança porque gosta do ritmo ou da batida, ela escuta a letra da música, mas não entende o que quer dizer exatamente. “É muito complicado uma criança de 5 a 9 anos, por exemplo, fazer danças eróticas com músicas de letras que possuem uma mensagem vulgar nas redes sociais e tornar isso público, pois permite que a criança vá se tornando erotizada antes do tempo, além de possibilitar a ela o despertar para coisas que ainda não estão dentro de seu tempo. Por isso é muito importante que nós trabalhemos com a supervisão, mas também tentar, mais do que tudo, evitar ao máximo que nossos filhos cheguem nessas plataformas na idade em que isso não se enquadra ao contexto de vida deles”.

O Jornalismo sempre foi criticado e impedido de publicar notícias que tratassem sobre menores infratores, afinal, as crianças e adolescentes são asseguradas pela Constituição Federal e pelo ECA de que suas imagens jamais serão divulgadas, por mais grave que seja a situação. A lei que determinou isso busca garantir que a pessoa não seja estigmatizada para o resto da sua vida pelos seus atos passados na fase “inicial” da vida. Porém, qual o intuito de proteger os menores dos veículos de imprensa, sendo que 93% daqueles incluídos na faixa etária de 9 a 17 anos, de acordo com o Comitê Gestor da Internet no Brasil, estão acessando alguma das plataformas online?! Já parou para pensar que talvez o Jornalismo não seja o vilão, mas sim os próprios pais, juntamente com seus filhos?

A psicóloga Jéssica Outoni adverte: “Fiquem atentos a toda sistemática que o seu filho vive ou tem acesso. Não permita que “roubem” a pureza, doçura e infância dos pequenos. Não acelerarem o processo, seja por quais motivos forem, preservem seus filhos”. Como explicam Ana Carolina e Filipe em seu artigo, “ com a superexposição na internet com a prática de erotização precoce, passa-se a ter um “combo explosivo” para o desenvolvimento psicofísico daquela criança ou adolescente, que passa a estar exposta em situação de vulnerabilidade aos olhos de toda a grande mídia, que, embora inegavelmente possa incluir fãs, inclui também, com assustadora frequência, pedófilos e diversos criminosos, que passam a se nutrir daquelas imagens e vídeos postados em sua grande maioria pelos próprios pais das crianças ou pelas crianças, mas com o consentimento desses”.

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