Por Rafael Oliveira |
A escuridão foi aos poucos perdendo lugar para as intensas luzes amarelo-alaranjadas que vinham dos faróis da van que a levaria até o hospital em Jaú. A consulta fora marcada de última hora, o que a deixou preocupada.
Cida vinha sentindo muito cansaço, fraqueza e falta de apetite. Ela havia sido diagnosticada com anemia, mas os sintomas estavam piorando muito.
Fechou os olhos e dormiu. Quando os abriu de novo, já estava em seu destino. Ela então desceu do automóvel e entrou no prédio.
Em contraste à quietude da viagem, ela estava agora no meio de uma multidão. Para onde quer que olhasse, seu nervosismo só aumentava. Perdida no meio de tantas pessoas doentes, a mente de Cida foi tomada por confusão.
Uma calma voz feminina no alto-falante anunciou que os atendimentos estavam para começar e solicitou aos pacientes que ficassem com os exames em mãos. Como em um estalo, ela lembrou que sequer havia tirado a folha de seu envelope. Seus olhos míopes direcionaram-se imediatamente a uma palavra sublinhada.
Câncer. Esse nome pode evocar lembranças ruins e ser sinônimo de medo ou desespero para alguns. De acordo com o Ministério da Saúde, câncer é um termo que abrange mais de 100 doenças malignas diferentes que têm em comum o crescimento desordenado de células.
Em um organismo, as células nascem, crescem, morrem e são substituídas. Às vezes uma célula pode nascer antes da antiga morrer. Essa proliferação incomum forma uma massa chamada de tumor.
Existem dois tipos de tumores: os benignos e os malignos.
Os tumores benignos têm células que crescem lentamente e de forma semelhante às originais. Eles não têm a capacidade de invadir tecidos próximos e não se observa a metástase, que é a formação de tumores em outras partes do corpo. Na maioria desses casos, os tumores podem ser totalmente removidos por meio de cirurgias e o paciente curado.
Já nos tumores malignos, as células se dividem frenética e descontroladamente. Desta forma, podem invadir e danificar órgãos e tecidos. São esses casos que chamamos de câncer. Como pode ocorrer em qualquer parte do corpo, existe um grupo muito amplo de doenças.
O câncer não tem uma causa única. Existem vários fatores externos e internos que podem levar ao desenvolvimento da doença.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer, o INCA, entre 80% e 90% dos casos estão associados a causas externas. Certos ambientes, alimentos, medicamentos e até mesmo questões sociais e culturais podem causar alterações na estrutura genética das células.
Nos casos internos, seu surgimento pode estar associado a fatores hereditários: estudos revelam que algumas pessoas são mais suscetíveis à ação dos agentes cancerígenos. Além disso, o envelhecimento natural do ser humano também traz mudanças às células, o que faz com que o câncer seja uma doença mais comum em idades avançadas.
Dentre os hábitos que podem levar ao seu aparecimento estão a exposição a agentes químicos, consumo de alimentos pouco saudáveis ou com alto teor de agrotóxicos, consumo de álcool, exposição excessiva ao sol e o cigarro.
A luta não precisa ser solitária
No final do outono de 2021, Aparecida Cardoso, cozinheira aposentada de 65 anos, estava sentada ao lado de seu marido em um consultório enquanto aguardavam pelo diagnóstico. Feridas tinham aparecido na gengiva dele há semanas. O dentista o havia recomendado que procurasse um médico imediatamente.
Aflitos, seus pés balançavam repetidamente enquanto, na sua frente, o doutor lia os papéis com o resultado dos exames. Os dois suavam frio. Talvez, inconscientemente, eles já imaginassem que a chegada do inverno não seria apenas no calendário.
Abruptamente o profissional deixou de lado suas folhas, olhou para ele e perguntou:
– Você fuma?
– Fumei por 40 anos, mas faz 18 que não fumo mais.
– Então está aqui o resultado.
Ela rapidamente se virou para seu marido e viu, naquele instante, seu mundo desmoronar.
Câncer.
Depois daquela data, a vida de Aparecida nunca mais foi a mesma. Conforme a doença evoluía, brotava, também, em seu coração a incerteza. Ele passou a precisar dela 24 horas por dia.
– Para mim, a pior coisa do mundo é ver alguém que eu amo doente e não poder fazer nada. Tudo que eu queria era poder tirar a dor dele, mas infelizmente não consigo.
Ele está fraco e não consegue mais se alimentar de qualquer outra forma que não seja via sonda. Contudo, depois de 39 sessões de radioterapia e 25 quimioterapias, eles continuam juntos. A doença pode ter afetado de várias formas a vida dos dois, mas não conseguiu abalar seu relacionamento.
– Ver ele nesse estado me faz sofrer muito, mas quando ele diz que a minha companhia é o que ameniza a sua dor, eu consigo me sentir melhor e até dar um sorriso.
Para ele, a luta continua, mas ele sabe que essa é uma batalha em que ele não está sozinho.
No começo do século XX, a sociedade enxergava o câncer como uma sentença de morte. Até hoje, muitas pessoas o veem como um tabu, que não deve sequer ser nomeado. Nos últimos anos, a medicina evoluiu muito e a compreensão da doença aumentou significativamente. Isso leva à pergunta: “Câncer tem cura?”
Depende.
Alguns cânceres têm cura, outros não. Tudo vai depender do tipo de tumor e do estágio em que ele se encontra. Os pacientes dos casos que não têm cura podem substituir essa palavra por outra: ‘tratamento’. Hoje, tendo o devido acompanhamento médico, uma pessoa com a doença pode viver por muitos anos de maneira saudável e controlada.
A grande maioria dos tumores tem boas chances de ser curada na fase inicial e alguns deles podem, inclusive, ser revertidos até mesmo em estágio avançado. O fator mais importante é que quanto mais cedo for feito o diagnóstico e iniciado o tratamento, maiores as chances de um resultado positivo.
Uma batalha que pode ser vencida
Os sapatos de Adriana fizeram o típico barulho de passos nos degraus de madeira da pequena escada que levava até o palanque do altar da igreja. Lá em cima, diante de dezenas de pessoas sentadas sobre os largos bancos da catedral, ela pregava:
– Se até eu suportei, você também vai conseguir.
Um suspiro assustado a trouxe de volta à cama. Ali, de bruços, acordou com uma sensação estranha. Fazia alguns meses que tinha dificuldade para dormir e frequentemente acordava com medo no meio da noite. Passado o pressentimento, ela adormeceu. Quando acordasse, seria uma data diferente das outras.
Era o último dia de aviso-prévio daquele trabalho que há tempos desgostava e a desgastava. Cansada, ela chegou em casa aliviada pelo fim daquele ciclo e decidiu tomar um banho para limpar não só o corpo, mas também sua alma. Quando tirou a roupa, percebeu que tinha algo de errado com seu seio.
Os mesmos sapatos fizeram barulho, desta vez, naquela sala branca, fria e silenciosa. Ali, diante de dezenas de pessoas pálidas e enfraquecidas sentadas em poltronas enquanto se tratavam, tudo que ela desejava era que um suspiro assustado a trouxesse de volta à cama.
Mesmo depois da primeira cirurgia e apesar das fortes dores, ela se recusava a acreditar que estava doente. Adriana se negava a estar junto daquelas pessoas. Para ela, não era ali onde deveria estar. Em uma sala a parte, enquanto olhava para o médico, ela perguntou em revolta:
– Por que você trata essas pessoas se sabe que elas vão morrer?
Não houve resposta.
– Você deveria estar fazendo partos, fazendo as pessoas felizes e não mantendo elas aqui nessa situação, só para morrerem depois.
Não foram dias fáceis.
Duas sessões mais tarde, enquanto a água fria do chuveiro caía em seu corpo, Adriana sentiu a esponja descer por suas costas. Quando sua mão tateou o objeto, contudo, ela percebeu que se tratava, na verdade, de um amontoado de fios. Em questão de segundos, as gotas que a lavavam mesclaram-se às lágrimas que escorreram do seu rosto. Junto com seu cabelo, caía também a sua ficha.
A aflição da quimioterapia e da radioterapia era diária e durou um ano. O rígido controle, porém, durou nove. Durante todo esse tempo, Adriana viu pessoas que lutaram a mesma batalha que ela se curarem, morrerem e adoecerem novamente. Hoje ela consegue lidar melhor com tudo que aconteceu, mas garante que a doença é, e provavelmente será para sempre, uma assombração.
Premonição ou não, hoje ela faz parte do grupo de apoio “Amigas do Peito” e ajuda outras pessoas a lidarem com a doença e a entenderem que existe, sim, vida após o câncer.
O câncer não escolhe cor, gênero, nem classe social. Seja por meio de cirurgias, quimioterapia, radioterapia ou transplante de medula óssea, é de extrema importância que todos os pacientes tenham acesso a um tratamento de qualidade, com profissionais capacitados e medicamentos à disposição.
Segundo o Governo do Estado, existem hoje 74 unidades espalhadas por 43 municípios que estão habilitadas para o atendimento de câncer pelo SUS no estado de São Paulo.
Uma dessas unidades é o Hospital Amaral Carvalho, de Jaú. A fundação é reconhecida regional e nacionalmente pela qualidade, respeito e simpatia com que trata seus pacientes. Eles também oferecem estadia para quem é de fora e realizam ações sociais na ala infantil, como a distribuição de presentes de Natal e realização de festinhas para as crianças.
Tudo isso, é claro, tem um preço e a verba que recebem nunca é suficiente. O hospital aceita voluntários, doação de sangue e ajuda financeira. Àqueles que se interessarem, contribuições podem ser feitas pelo site clicando aqui.
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