Por Juliana Craveiro Fusco

No dia 16 de janeiro deste ano (2023), a 23ª edição do tão esperado BBB começou. E com ela, a grande polêmica do “assistir ou não assistir?” ressurgiu. Mas será que essa é a real pergunta que precisa ser feita? Será que é só uma questão de como as pessoas conseguem assistir um programa como esse ou por que elas não o assistem? Talvez a verdadeira reflexão que tenha que ser feita é: por que o Big Brother ainda existe com os mesmos princípios?

Como quase todo programa transmitido pela Rede Globo, o Big Brother Brasil é uma cópia adaptada para o Brasil do programa Big Brother que surgiu pela primeira vez em 1999 na Holanda. A ideia geral do programa é colocar pessoas não famosas dentro de uma casa, sem contato humano externo, por 3 meses. Mas aqui no Brasil, a partir da edição de 2020, atores e influencers digitais também passaram a participar do programa pela queda da audiência.

Fonte: https://pagar.me/blog/aprenda-marketing-digital-com-o-bbb/

“É apenas um reality”?

Um dos principais argumentos utilizados para justificar a validade do programa é a frase: ah, mas é apenas um reality show, daqui 3 meses eles voltam para a vida normal. Será? É preciso lembrar, antes de tudo, que ainda são pessoas reais que participam do programa; são pessoas que pensam por conta própria, que possuem sentimentos e que sofrem com o que quer que aconteça dentro da casa.

São vários os exemplos que podem ser citados para demonstrar o quanto a atuação nesse programa afeta a vida pessoal dos participantes. O mais emblemático talvez seja o caso de Lucas Penteado, do BBB 21. O participante teve que pedir para sair do programa, após somente duas semanas desde o início, por sofrer bifobia e pressões psicológicas. 

“Ah, mas a pessoa que entra no BBB já sabe o que pode passar”. Aparentemente, o Lucas não sabia; não sabia que as pessoas podiam ser tão cruéis ao ponto de precisar pedir para sair de um programa tão famoso; não sabia que a Globo não faz literalmente nada na casa a não ser instigar o ódio e a discórdia entre os participantes; e não sabia que jovens já resolvidos e adultos fariam esse abuso psicológico apenas por estarem em um programa.

Outro belo exemplo foi na edição de número 22, quando o participante Tiago Abravanel relatou a falta de uma toalha de banho adequada para o corpo dele. Parece insignificante, afinal é apenas uma toalha, ninguém o xingou abertamente ou algo semelhante. Mas se é tão insignificante assim, por que a Rede Globo não conseguiu uma toalha ideal para o corpo dele? Não é como se a preparação para receber as pessoas na casa fosse feita às pressas. É justamente por ser uma tarefa simples, por ser apenas uma toalha, que acontecimentos como esse demonstram a gordofobia e o despreparo que um programa tem de atender pessoas reais. O programa, na verdade, passa a ser só mais um reforço para a invisibilidade dessas pessoas (como se o preconceito fora dele não fosse o suficiente).

E na edição de 2020, onde duas participantes foram assediadas em rede nacional pelo participante Petrix Barbosa? Literalmente aconteceu um crime dentro da casa, um crime tipificado desde 2001, e a Globo apenas chamou Petrix para uma conversa. Ele não foi expulso, não foi punido e não foi preso. E as meninas, como devem ter se sentido? Como é morar por cerca de 3 meses em uma casa fechada com um assediador? Com alguém que te assediou?

A impunidade ao assediador é real, o assédio é real e o trauma que ele causa nas mulheres que o sofreram é real. Tudo que acontece no BBB não fica só no BBB, abusos  psicológicos, bifobia, gordofobia e assédios duram a vida inteira; causam traumas e até doenças psicológicas, como ansiedade e depressão. E como se não bastasse todo o trauma que os participantes precisam vivenciar, a Globo os trata de forma tão comum e cotidiana que o programa segue como se nada tivesse acontecido. O que reforça para a sociedade como um todo que esse tipo de situação já é normal, que ela não pode ser resolvida, já que se até a Globo não pôde fazer nada, então quem pode, não é?

Fonte:https://www.folhape.com.br/cultura/o-relacionamento-de-bruna-e-gabriel-no-bbb-23-siga-o-fio-para/255224/

Edição 23

Nesta edição, a 23ª, a participante Bruna Griphao está envolvida em um relacionamento abusivo com o participante Gabriel Tavares. Após os próprios participantes do BBB e do público perceberem a relação tóxica dos dois, o apresentador Tadeu Schmidt falou, na presença de todos os participantes, sobre como as atitudes de Gabriel são problemáticas. Mesmo assim, os participantes continuam se relacionando, o que não é novidade para quem conhece o que é um relacionamento abusivo.

A Globo, juntamente com psicólogos especializados, precisam tratar desse caso de maneira séria, antes que a Bruna saia com sérios traumas. O toque de Tadeu serviu como um ponto de reflexão para os dois; porém, em um relacionamento abusivo, apenas um toque não é suficiente. A Bruna precisa de uma rede de apoio. Mas como ter uma rede de apoio em um lugar que as pessoas literalmente precisam eliminar as outras do programa? Como confiar em várias pessoas que podem estar contra você ao invés de uma que jura estar contigo? 

Um relacionamento tóxico precisa de cuidado ao ser tratado, para que ambas as partes entendam qual é a situação. A Bruna precisa entender que esse relacionamento não faz bem para ela e que ela é muito mais do que apenas a parceira de Gabriel. Assim como o Gabriel precisa entender que o comportamento dele perante a Bruna é extremamente problemático.

É preciso que, antes que o Gabriel saia do jogo por votação do público, a Globo se responsabilize por tratar esse assunto com os dois. Para que ele nunca mais seja abusivo com ninguém e para que ela não seja mais abusada de forma alguma. É preciso que a Globo mostre, sem expor a vítima e o íntimo da situação, como um relacionamento abusivo pode ser tratado, para que essa situação sirva de exemplo para as milhares de pessoas que assistem o programa.

Outros problemas

Além das doenças psicológicas citadas acima, o programa coloca em risco a saúde física dos participantes. Nas provas bizarras de resistência, que quase sempre duram bem mais do que cinco horas, os participantes precisam ficar em pé; segurando o xixi (o que pode causar uma infecção urinária); muitas vezes sofrendo mudanças de temperaturas bruscas (quando as provas contém estações, como água, ar e calor); sem poder comer nem beber nada e sem poder tirar um cochilo.

Como o próprio nome diz, ganha o participante que mais aguentar dentro da prova. Mas vale mesmo de tudo para ganhar um prêmio? Todos que desistem dessas provas saem porque estão passando mal; estão com dor ou porque precisam comer, dormir e usar o banheiro, ou seja, as necessidades básicas de um ser humano. Será que a Globo se responsabilizaria por causar uma doença em algum participante? Será que se algum dia um participante do programa passar realmente mal, a Globo se responsabilizará por seus atos? Ou pior, será que é preciso que isso realmente aconteça para que ela mude a dinâmica do jogo?

O real problema

Enxergar o problema do programa nas pessoas que o assistem é mascarar o real problema. É muito fácil julgar as pessoas que o assistem simplesmente por julgar, se você esquecer que a mídia interfere diretamente na visão e no consumo de cada indivíduo; que o programa é feito para ser uma forma de distração e lazer para quem o assiste, entre tantos outros motivos que levam as pessoas a assistirem.

O real problema está na execução e no propósito do programa, que visa somente o individual, esquecendo que, até mesmo em um reality show, as pessoas vivem em uma sociedade e precisam trabalhar com e por ela. 

E assim como o reality precisa ser trabalhado pensando na sociedade, a crítica também precisa ser feita olhando para ela. Será que, em um mundo onde programas como esse são vistos como lazer, o problema está no indivíduo que o assiste ou na sociedade que está tão doente que aceita absurdos como entretenimento?

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