Bernardo Corvino

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os atos de 8 de janeiro podem ser tipificados pela Lei Antiterrorista. Essa é a opinião de Juliana Corvino, cientista social e advogada, formada em Ciências Sociais pela UFSCAR, Direito pela Ite e mestre em Direito pela UNESP, sobre o acontecimento do domingo, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, em Brasília. Eles também vandalizaram os locais e roubaram pedaços da história da jovem democracia brasileira.

Durante a investigação, foi descoberto que a invasão estava sendo planejada por grupos antidemocráticos por meio de redes sociais, principalmente por grupos no Whatsapp e Telegram. Por eles, os bolsonaristas chamavam os participantes para caravanas a Brasília onde ocorreria o ato. Até o momento, ao menos 1.200 pessoas foram presas pela participação do ataque.

Além disso, muito criticados foram o governo do Distrito Federal (DF) que falhou em controlar o movimento, o que causou o afastamento de Ibaneis Rocha, atual Governador do Distrito Federal e a exoneração de Anderson Torres, até então Secretário de Segurança do DF.

Os apoiadores do acontecimento tentam se justificar dizendo ser manifestação da liberdade de expressão. Mas Juliana explica que a liberdade de expressão existe uma vez que não fira o Estado Democrático de Direito, ou seja, a partir do momento em que as pessoas ferem a tripartição dos poderes e a própria democracia, isso se torna um crime, e não liberdade de expressão.

Parte da mídia chamou os participantes de manifestantes e a outra, os chamou de golpistas e criminosos. Para Juliana, o movimento do dia 8 de janeiro pode sim ser considerado criminoso. “Os atos, podem ser, em tese, tipificados como crime da Lei Antiterrorista (Lei no 13.160/16), crime de organização criminosa, crimes de dano ao patrimônio público, dentre outros, além da responsabilidade civil”, diz.

Ainda sobre o tratamento da mídia, ela explica que “a forma que a imprensa trata diz respeito à sua liberdade de comunicação (que não deve ser confundida jamais com propagação de Fake News) com um limite de não extrapolar. Ao meu ver, não há exageros da mídia, tendo em vista que trata-se de divulgar entendimentos inclusive dos tribunais superiores, como TSE, STJ e do próprio STF, além de como já dito, haver embasamento jurídico. Inclusive por ser tratado como ato antidemocrático”.

Outra discussão ligada ao acontecimento é se Bolsonaro pode ser culpabilizado pela invasão. Sobre isso, a advogada diz que “ele pode, já que em inúmeras falas o ex-presidente questionava as urnas eletrônicas, tornava dubitável as decisões do judiciário, instigou pessoas a se posicionarem de forma contrária ao Congresso Nacional e, como chefe da nação, tinha (e tem ainda) grande poder de persuasão e convencimento de seus seguidores, com um tipo de liderança carismática, que conduz as massas e realizar aquilo que determinam”.

Ela também explica que a invasão pode sim ser considerada como uma tentativa de golpe de estado. “Inclusive não só a invasão em si, mas toda a dúvida que geraram em torno das eleições, alegações de fraude que comprovadamente não existiu (inclusive com auditoria das forças armadas), o fato de incitarem uma intervenção militar com documentos encontrados na casa do ex-ministro Anderson Torres e que serão investigados, ou seja, tudo nos leva a concluir que eles buscavam um golpe de Estado”.

Foto: Ed Alves/CB D.A. Press

Nós do Jornal Contexto conversamos com dois cientistas políticos para tentar entender como parte da sociedade chegou a este nível de idolatria política e o que a tentativa de golpe pode significar para a democracia brasileira e o governo atual.

Mariele Troiano, graduada em Ciências Sociais (Universidade Federal de São Carlos/ UFSCar); mestra e doutora em Ciência Política pela mesma instituição, explica que a invasão do Congresso é apenas um sintoma da crise que já se apontava em 2013.

“Com essa afirmação, há pelo menos duas questões importantes de serem ressaltadas: primeiro que a crise que se instala no Brasil não é só política e econômica, mas é também uma crise social e moral e, por isso, ela reflete nas instituições sociais, nas igrejas, nas escolas, nas famílias e em órgãos de segurança pública, por exemplo. O segundo ponto é que essa crise – que teve início em 2013 – ganhou raízes mais profundas ao longo do caminho. O impeachment da presidenta Dilma Rousseff e, posteriormente, a pandemia do covid-19 são exemplos disso”. 

Ela explica ainda que o ex-presidente Jair Bolsonaro surge como potencial opção dentro desse quadro. “Primeiro, como possível líder da oposição, sobretudo, a partir da ótica da democracia liberal. E, depois, como produto do populismo da extrema direita que se sustenta por meio de discursos políticos que envolvem valores morais, crenças religiosas e costumes familiares. Ainda podemos considerar o ambiente digital como um acelerador desse processo”, diz.

Para ela, o atentado não causa risco à democracia, visto que “ao invés da invasão enfraquecer a democracia, as instituições políticas brasileiras se mostraram estruturadas e atuantes”. Mariele cita que a decisão do presidente Lula no decreto de intervenção federal em Brasília, ao invés da aplicação, por exemplo, da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), estancou possíveis sangramentos futuros, de modo que a GLO fomentaria a ideia de um possível golpe.

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Victor Pimenta Bueno, cientista político pela UNIRIO, concorda com Mariele que não há risco à democracia.“O que foi intencionado como atos para tomar o poder e derrubar Lula foi na verdade o contrário. A invasão permitiu que o atual presidente tomasse medidas duras para combater a situação, revelou nomes importantes deste movimento antidemocrático, enfraquecendo ainda mais sua imagem, e permitiu que Lula ganhasse muito capital político já no início de seu novo governo. O que essa invasão fez foi apenas afunilar ainda mais os grupos apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, manchando ainda mais sua imagem nacional e internacionalmente.” 

Mas apesar disso, o bolsonarismo ainda é muito forte. “Está presente na câmara legislativa e em muitos governos estaduais e ainda pode apresentar força para disputar eleições. Porém, a imagem dos membros da família Bolsonaro está cada vez mais ruída, apesar de ainda com expressividade”, explica.

Na visão de Mariele, o acontecimento mostra que o governo Lula terá que lidar com resistências e contestações que partem da sociedade. Creio que havia uma preocupação de enfrentamento e embate dentro do Congresso Nacional, diante da quantidade de parlamentares eleitos pelo Partido Liberal (PL), por exemplo. Porém, por causa do ato, hoje se sabe mais sobre esses grupos, quem são eles, onde estão e quem os financiam.

Troiano ressalta que precisamos tornar essa questão um problema da sociedade brasileira. “Há uma urgente necessidade de entendermos que as invasões representaram um crime ao poder público, ao patrimônio público e ao cidadão brasileiro. As invasões não representam um duelo de grupos, partidos, cores e bandeiras. Precisamos de um esforço cooperativo, inclusive, internacional, para que a polarização partidária seja reduzida e a busca pelos direitos democráticos seja parte de um projeto compartilhado entre os diferentes setores da sociedade”.

Para barrar novas agressões a democracia, Victor sugere: “A melhor forma de evitar novos ataques é cuidar de expurgar as decisões políticas tomadas durante o governo Bolsonaro, focar na reestruturação da economia com o intuito de diminuir as mazelas que vivemos hoje e, principalmente, perseguir a culpabilização das pessoas envolvidas nesses ataques e em todas as crises prévias, a começar pela prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro”.

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