Em 8 de Janeiro de 2023 o Congresso Nacional é tomado por invasores que após 38 anos do fim da ditadura, clamam novamente por intervenção militar
25.jan.2023
Por Isadora de Sousa
Em março de 1983, milhões de brasileiros se mobilizaram nas Diretas Já, o movimento que viria a ser um dos maiores comícios brasileiros em favor da democracia. Em 8 de Janeiro de 2023, 40 anos depois das Diretas e apenas 38 anos depois do Brasil voltar a possuir um sistema político democrático, centenas de brasileiros invadiram o Congresso Nacional. Os vândalos, que se intitulavam manifestantes, causaram prejuízo superior a 4 milhões de reais e asseguraram que a única maneira de saírem de lá era intervenção militar no país.
Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito democraticamente no segundo turno das eleições em 30 de outubro, ocorreram diversas manifestações em todo Brasil. A invasão ao Congresso foi o ápice dos atos antidemocráticos que estavam sendo executados pelos vândalos.
Mas porque é um ato antidemocrático e não apenas uma manifestação?
Na cobertura da mídia sobre o atentado ao Congresso foram utilizadas nomeações variadas para se referir aos invasores, entre elas, manifestantes, vândalos e até mesmo terroristas. A nomeação dada a esse ato é importante porque se relaciona com a inconstitucionalidade dessa ação. Para o autor, doutor em filosofia política e docente da Unesp, o argentino Héctor Luis Saint Pierre, o termo terrorismo é o menos correto e não deve ser empregado nessa situação, “Eu sou absolutamente contra o uso de terrorista nesses casos. O que define terrorismo é aquilo que tem por objetivo estratégico provocar terror. O objetivo da manifestação foi tomar os três poderes, foram atos ilegítimos, de vandalismo, por golpistas que devem ser julgados por destruição de patrimônio público, histórico e cultural”.
Ele explica também que “uma ação política violenta não é necessariamente terrorismo, uma guerra, por exemplo, é uma ação politica violenta e não é terrorismo. Ocuparam o poder de maneira ilegítima, mas não são terroristas, são golpistas de extrema direita”.
Já a advogada e vereadora Bauruense Estela Almagro (PT) discorda do filósofo político quanto à nomenclatura que deve ser usada com os invasores, mas concorda com a inconstitucionalidade do ato.
Para ela, é importante reforçar que o direito de protestar é essencial para o exercício da democracia, mas, de fato, a invasão ao Congresso configura terrorismo. Em suas palavras, “a luta da própria esquerda é sobre liberdade de atos, de expressar pensamento, e discordar de determinados governos. Mas em questão política e jurídica a respeito das “manifestações” o termo “terrorismo” é assertivo porque existe uma lei que define. E para as reivindicações serem legítimas, o que é pleiteado precisa ter fundamento legal para ser atendido. Precisa ser uma pauta legitima, independente de se de esquerda ou de direita”.
Anistia para crimes de natureza política é possível nesse caso?
Na década de 70 foram perdoados por meio de anistia diversos crimes cometidos por militares durante a ditadura. Em 2023, após a invasão do Congresso, o termo anistia voltou a ser discutido por políticos como o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o ex-ministro do STF Marco Aurélio Costa, que defenderam o perdão como medida de “pacificação do Brasil”.
A respeito disso, Hector declarou que “a anistia concedida aos golpistas de 64 foi o que criou toda essa situação, por que não há possibilidade de um país vivenciar a história com uma história oculta. E quando tentaram reconstruir, os militares não permitiram, eles se auto atribuíram uma anistia que os isentou, e até hoje continuam celebrando o golpe como um movimento revolucionário.
O professor explica também que “a anistia possibilitou a transição à democracia, mas uma péssima transição. De fato, ainda não chegamos à democracia plena, por ser prerrogativa, sem autonomia dos militares, que, mesmo que não sejam um poder, são um instrumento do estado. Não são o monopólio da violência, mas são instrumentos do monopólio da violência”.
E sem anistia, como os culpados devem ser responsabilizados?
Em uma série de registros fotográficos e gravações realizadas pelos próprios vândalos, é possível identificar diversos participantes da invasão ao Congresso e da destruição do patrimônio, além de pessoas que participaram dos acampamentos em frente ao QG do exército. Inclusive pessoas que tem relação com a política ou com o exército brasileiro, como a esposa do general Eduardo Villas bôas, Maria Aparecida Villas Bôas, que visitou os acampamentos em novembro de 2022.
A respeito disso, Estela argumentou que as pessoas não decidem “brincar de terroristas” de uma hora para a contra. “O termo anistia não pode nem passar perto desse ato de vandalismo, de terrorismo, que ocorreu na câmara. O STF é a mais alta corte do país, e um crime contra ele, contra a constituição federal, é também um crime contra o povo. Então, tanto os terroristas quanto os políticos precisam ser responsabilizados, porque não é responsável só quem chutou a porta e quebrou os quadros, também tem os autores intelectuais.
Em relação ao ex-presidente, Estela afirma que Bolsonaro tem responsabilidade sobre os atos. “Os políticos juraram defender a Constituição, e eles desrespeitaram ao participar desse ato político. Para mim, o Bolsonaro é um dos principais atores desse processo, merece ser punido e preso, porque ele fugiu, mas fez várias manifestações indiretas nas redes sociais e várias pessoas ligadas a ele tem dedo nisso”.
Hector concorda e acrescenta que “Bolsonaro é responsável pelo clima de ódio. Desde antes das eleições ele passou a duvidar do sistema eleitoral, e o sistema eleitoral brasileiro é exemplar mundialmente, mas ele começou a colocar suspeitas através de Fake News nos nichos de extrema direita que foram alimentados com essas notícias falsas”.
Há também a interferência do ex-presidente junto à Polícia Rodoviária Federal. “Ele agiu com a polícia rodoviária federal durante o segundo turno cortando estradas e dificultando as pessoas de votar. Tudo isso e a falta de reconhecimento do resultado das eleições contribuíram para que esse ato golpista acontecesse.
A extrema direita apresenta perigo para o governo Lula?
A invasão do Congresso trouxe à tona o perigo real que a extrema direita apresenta para a manutenção de um regime político democrático no Brasil. Ainda de acordo com o autor e filósofo político, “nunca dois milhões de votos que fizeram a diferença, que elegeram o Lula foram tão importantes, não só para o Brasil, também para a extrema direita internacional. Os militares brasileiros são formados com um pensamento golpista, intervencionista de tutela militar sobre a sociedade brasileira, creio que sem a reestruturação das Forças Armadas o Brasil terá sempre a espada da democracia na cabeça, teremos sempre uma democracia com a faca no pescoço”, finaliza o professor.
