Por Beatriz Pagani

A cada quatro anos, desde 1930, a população mundial é entretida com a cultura da Copa do Mundo de Futebol Masculino. O evento, organizado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA), sempre conta com um país que sediará os jogos e, consequentemente, receberá visitantes de todos os cantos do mundo. Neste ano de 2022, a Copa foi realizada no Catar: o primeiro país do Oriente Médio e do norte da África a sediar tamanho evento. Contudo, não só os jogos em si geraram polêmicas, mas todo o processo de construção da infraestrutura. Afinal, a logística de preparação para a Copa nunca é apenas sobre futebol. 

Em 2010, o Catar foi escolhido pela FIFA como país para sediar a Copa do Mundo de 2022. Essa escolha de país sede gerou muitas revoltas devido à carência de direitos humanos no país, principalmente se tratando das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, trabalhadores migrantes e jornalistas. À época, a FIFA não investigou questões relacionadas aos direitos humanos, obrigatórias tanto para aqueles que viriam de fora do país para assistir aos jogos, quanto para aqueles que trabalhariam para a realização do evento. Desde que a FIFA anunciou a Copa no Catar, muitos migrantes que foram ao país a trabalho morreram inexplicavelmente, e muitos outros vêm sofrendo constantes abusos de seus empregadores.

O SISTEMA KAFALA

O Kafala (patrocinador, em árabe) é um sistema que vinha sendo mantido desde o fim da era colonial britânica no país, em 1971. O funcionamento deste sistema prende o trabalhador migrante ao seu empregador em todos os sentidos, ou seja, os trabalhadores estariam dependentes de seus empregadores tanto quanto à residência quanto ao status social, que os rebaixava a níveis de extrema vulnerabilidade. Nesta normativa, os migrantes, para poderem entrar no país, precisam ter empregadores. Estes, têm poder tanto para garantir estadia e renovação de contrato quanto para cancelá-los a qualquer momento. Ademais, os trabalhadores necessitam de autorização dos empregadores para que possam mudar de trabalho. Caso não o tenham, os empregadores podem denunciá-los como fugitivos e, então, eles perderiam a documentação e sofreriam vários tipos de punição. E se essas pessoas perdem completamente sua liberdade de ir e vir, os trabalhadores domésticos perdem ainda mais direitos e estão propensos a sofrerem ainda mais abusos. 

A SITUAÇÃO DESDE 2010 

O Catar apresenta cerca de 95% de seu trabalho braçal concentrado nos migrantes, que também compõem 85% da população do país. Em 2010, a FIFA já tinha consciência da quantidade de força que seria necessária para que as instalações fossem construídas. Mesmo com as denúncias de abusos contra trabalhadores, que eram obrigados a trabalhar pesadamente sob um calor extremo, a FIFA não tomou providências. 

O Human Rights Guide for Reporters (Guia de Direitos humanos para Jornalistas), produzido pela ONG Human Rights Watch, tem a intenção de mostrar aos jornalistas os principais problemas de direitos humanos encontrados no Catar. Ele cogita esclarecer as responsabilidades e as obrigações de direitos humanos da FIFA e do Catar, respectivamente, relacionadas à Copa do Mundo de 2022.

O guia aponta que os abusos cometidos contra os trabalhadores migrantes estão entre roubo de salários, condições de vida insalubres e excessivas horas de trabalho sob calor extremo. De acordo com as autoridades Catarinas, a maior parte das mortes têm relação com causas naturais, e não com trabalho. Assim, grande parte das famílias não recebe compensação pelas perdas.

Em agosto de 2019, cerca de cinco mil trabalhadores entraram em greve no Catar, a maioria de Bangladesh, pedindo que o país removesse o desequilíbrio de poder entre empregados e empregadores. Os trabalhadores reclamavam de condições precárias de trabalho e atrasos nos pagamentos dos salários.

Segundo trabalhadores, em entrevista à Al Jazeera, as condições de moradia eram ruins e os salários não eram pagos há quatro meses. Além disso, os trabalhadores não receberam a carta de autorização para trocarem de emprego e nem tiveram seus vistos renovados. Com isso, sua permanência tornou-se ilegal no Catar,o que os deixou ainda mais vulneráveis. A Anistia Internacional já tinha denunciado em setembro que muitos trabalhadores precisaram entrar na justiça para conseguirem deixar o país, sem receber um centavo pelo trabalho.

Em 2020, depois de muita pressão internacional, o Catar foi o primeiro país do Oriente Médio a abolir o Sistema Kafala. A partir disso, os trabalhadores puderam mudar de emprego sem precisar da autorização do empregador e tiveram direito a um salário mínimo. No entanto, a Human Rights Watch afirmou que essas reformas foram tardias, e que muitos trabalhadores que ajudaram a construir a infraestrutura da Copa do Mundo não foram beneficiados por essas medidas.

Em fevereiro de 2021, o jornal britânico The Guardian publicou que pelo menos 6.500 trabalhadores imigrantes morreram no Catar entre 2010 e 2020. O veículo chegou a esse número com dados dos governos dos países de onde vieram os trabalhadores. Contudo, não se sabe exatamente quantas dessas pessoas trabalhavam na Copa. O governo do Catar afirmou que algumas dessas mortes podem incluir causas naturais e que a quantidade não é absurda considerando o tamanho do país. 

Nenhuma federação de futebol de países classificados para a Copa do Mundo que manifestou apoio à proposta de criação de um fundo de compensação para trabalhadores é da América Latina. A ONG HRW (Brasil) enviou uma carta pedindo apoio à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em setembro deste ano. Eles não tiveram resposta.

As ONGs que participam da iniciativa procuraram 14 patrocinadores oficiais da Copa. A Adidas, a AB InBev/Budweiser, o McDonald’s e a Coca-Cola foram os únicos a demonstrar apoio.

A final da Copa do Mundo aconteceu no Dia Internacional dos Migrantes. O evento terminou sem nenhum compromisso da FIFA para que se resolva essa questão de abusos de direitos humanos.

BIBLIOGRAFIA

https://www.hrw.org/sites/default/files/media_2022/11/202211mena_qatar_worldcup_reportersguide_2.pdf: Os verdadeiros “patrocinadores” da Copa de 2022: vidas por jogos

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