Por Juliana Craveiro Fusco
De quatro em quatro anos, o mundo se prepara para um dos maiores eventos de futebol do planeta: a Copa do Mundo. E em cada edição, um país diferente é escolhido para sediar este evento tão importante, até para quem não é fã de futebol.
Para além da responsabilidade de construir estágios, preparar hotéis para os jogadores, entre tantas outras tarefas, o país sede sempre tem a oportunidade de mostrar a cultura que compõe e constrói a sua identidade. Os próprios shows de abertura da Copa mostram isso, já que são preparados e coreografados para conter os principais elementos da cultura do país escolhido.
Ou seja, não é só o esporte que define a cultura de um país. Suas vestimentas, línguas oficiais, religiões, sua comida típica, economia, dança, música e a maneira de viver de cada indivíduo que mora naquele país, juntamente com o esporte, são a base que define as tradições e, consequentemente, a cultura desse país.
Pela primeira vez na história da Copa, um país do mundo árabe foi escolhido para sediar o evento: o Catar. Apesar de todas as polêmicas e escândalos que envolveram essa escolha, nós tivemos a oportunidade de conhecer mais de perto a cultura árabe e suas tradições.
E já que tivemos, por que não aproveitarmos e entendermos mais sobre como é essa cultura?
Falar de cultura e tradição sem falar de música é como falar de futebol sem incluir os jogadores e a bola. Não é à toa que, em cada edição da Copa, a FIFA faz questão de lançar pelo menos uma música oficial que representa a edição de cada ano. E com o Catar não seria diferente.
Neste ano (2022), a FIFA escolheu seis músicas oficiais para compor a trilha sonora desta edição. Dentre elas, cinco contêm pelo menos um elemento da cultura árabe, da qual o Catar faz parte. Mas quais são esses elementos? O que é a cultura árabe? Ou melhor, como é a cultura do Catar?
Fonte: reprodução/regencyholidays
A música do Catar
A música tradicional do mundo árabe, e isso inclui o Catar, é conhecida pelas pessoas do ramo como Khaleeji (lê-se Raliji). E, apesar de ter a mesma cultura, cada país da Península Arábica possui suas diferenças.
Tudo indica que essa cultura teve início no Yemen (sul da península), pois, por conta da facilidade do acesso, muitos povos africanos migraram para a região, trazendo suas tradições com eles. No Catar, uma das principais tribos migrantes foram os beduínos.
Até o século XIX, o Catar não era considerado um país independente. O mundo ocidental, mais especificamente os britânicos, consideravam o Catar como dependência de Bahrien (pronuncia-se Barraren). Somente em 1867 o mundo passou a ver o Catar como um país legítimo.
Com a primeira Guerra do Golfo, em 1990, quando o Iraque tomou grande parte da região, muitos cataris foram obrigados a migrar para o Kuwait. Só em 1991, com a intervenção militar dos Estado Unidos no Iraque, o Catar voltou a ser independente.
Isso significa que a guerra ainda é muito recente e muito presente no mundo árabe. E essa troca de cultura, devido às migrações, é muito mais comum. E, como a arte pode ser uma forma de demonstrar o cotidiano, alguns elementos da guerra são refletidos nas músicas e nas danças, o que nos leva a conhecer o principal gênero musical do Catar: o Ardha.
O Ardha
Do verbo “ard”, que significa “se exibir”, o Ardha nasce como um estilo musical que se baseia em ostentar a força da sua tribo para a tribo com quem se vai lutar. Esse estilo serve mais como um ritual, onde duas fileiras são formadas, uma de frente para outra e uma pessoa, normalmente o chefe da tribo, declama, cantando, versos de poemas.
Vestidos com trajes tipicamente de guerreiros, os homens ostentavam o poder e a força de sua tribo para intimidar a outra, executando vários truques e movimentos com suas espadas. Atualmente, a ideia é exibir as habilidades dos malabarismos feitos com as espadas.
Por ser o estilo mais tradicional do Catar, essa dança é encontrada nos casamentos e em eventos oficiais. Por exemplo no Dia do Catar, que acontece todo ano no dia 18 de dezembro e celebra a fundação do Estado do Catar.
A influência do ofício
Outro gênero musical muito presente no Catar é o que era cantado nas pescarias. Por ser um país com uma grande fronteira com o mar, grande parte dos homens optavam por trabalhar com a pescaria. Também inspirada pela poesia, os trabalhadores cantavam sobre lutar e velejar como forma de motivação para puxar os barcos, descarregar as mercadorias, pescar peixes e caçar pérolas.
Para as mulheres, a única diferença desse mesmo estilo são as letras. Ao invés de falarem sobre guerra e barcos, elas cantavam e recitavam temas sobre moer, cozinhar trigo, ou seja, mais relacionado às tarefas domésticas. Quando cantavam sobre as viagens marítimas, elas preferiam abordar as dificuldades do trabalho marítimo e sobre o regresso de seus maridos e/ou filhos.
Música e Religião
Um outro ritmo musical muito famoso no Catar é o Arabana Mutto (com pronúncia: Arabana Mudu). Ele, inicialmente, era o mais importante gênero musical de uma comunidade do sul da Índia; porém, com a imigração dela para o Catar, o estilo foi incluído na tradição catari. Ela se baseia em sons e danças para a devoção ao islã.
O atual
Ao sintonizar, pela internet, em uma rádio do Catar, como por exemplo a Malayalam FM 98.6, a mais famosa de Doha, percebemos que a tradição ainda é muito presente na música. O uso dos instrumentos e do canto característicos do mundo árabe continua sendo um artifício muito utilizado nas músicas atuais.
Mas claro que em um mundo globalizado é impossível não ter influência de outras tendências musicais, afinal a troca também é tradição e formação de cultura. E o Catar parece ter recepcionado muito mais o estilo eletrônico do que os outros. Mostrando como o estilo tradicional é aprimorado com a ajuda de um estilo tão atual e recente.
O que mais impressiona, no entanto, é que a tradição também está na escolha das músicas que serão tocadas na rádio. Ao contrário do que se imagina, é muito difícil escutar uma música em outras línguas, que não o árabe, nas rádios do Catar.
Por um lado, essas escolhas valorizam, para a população local, a cultura do país, abrindo espaço para os talentos do mundo árabe, já que, pelo mundo afora, essa cultura ainda não é muito valorizada. Por outro, ao não dar visibilidade para as outras, o compartilhamento de culturas de outros países é impedido, dificultando o surgimento de novos estilos.
Acesso à cultura: dificuldade
Mesmo com essa grande oportunidade que o Catar está tendo, de se mostrar para o mundo. Ainda é muito difícil ter contato com sua cultura. Não só por existirem documentos que não são disponibilizados pelas autoridades ou pela maioria estar escrita exclusivamente em árabe, mas também porque não existem muitos pesquisadores que se interessem por esse mundo e essa cultura.
Não ter um pesquisador, uma pesquisadora, que procure e se empenhe em encontrar material, só dificulta ainda mais o acesso à essa cultura, já que o papel do pesquisador é trazer informações, sobre o assunto pesquisado, de maneira acessível, criando um ciclo que aumenta ainda mais o contato entre culturas.
Ao fornecer mais informações sobre determinado assunto, mais pessoas terão acesso a elas. Tendo mais acesso, novas dúvidas vão surgindo e, consequentemente, novas pesquisas.
É para isso, também, que trago essa matéria. Para que cada vez mais pessoas possam ter contato com essa cultura rica e diversa, cheia de elementos do mundo antigo que permanecem até os dias de hoje, e que a cada dia mais se reinventam sem deixar que seu fundamento deixe de existir.
Bibliografia
https://www.regencyholidays.com/blog/sword-dance-qatar/
https://en.wikipedia.org/wiki/Music_of_Qatar
https://en.wikipedia.org/wiki/Qatar
https://www.worldatlas.com/articles/the-culture-of-qatar.html
