Artistas utilizam a música como arma para lutar contra os preconceitos
Por KEVILIN ALVES

Para os amantes de música, 2022 foi um ano que tornou possível ver mulheres como Ludmilla, Tasha e Tracie, MC Soffia, Iza e Liniker despontarem e ampliarem seu sucesso. Com apresentações em eventos internacionais como Rock In Rio e premiações como o Prêmio Multishow, por exemplo, os holofotes se voltaram a elas. Mas, além do talento dessas artistas, outro fator ganha destaque: a representatividade que elas trazem consigo.
A música – e a arte em geral – reflete diretamente a sociedade na qual está inserida. O Brasil, apesar de ser um país diverso, ainda é racista e sexista. Só no estado de São Paulo, no primeiro semestre de 2022, os crimes contra mulheres e de racismo registrados superaram todo o ano passado. A importância de ter mulheres pretas em evidência se torna ainda maior quando isso passa a ser um símbolo de resistência.

A voz não é somente um instrumento de trabalho, ela também se torna uma arma quando utilizada para derrubar barreiras e bater de frente com o preconceito. Mas, para que essas artistas, hoje, possam sonhar e encarar esses desafios com maior domínio, alguns nomes como Elza Soares, Alcione e Leci Brandão se arriscaram nessa luta. A frase “a carne mais barata do mercado é a carne negra” marcou gerações e, para Shante, cantora e produtora cultural, isso é fundamental. “É sempre bom termos esse referencial para que a gente perceba que é possível”.
Com mensagens diretas e explícitas em suas letras, Bia Ferreira é um exemplo da representatividade da mulher e de toda a população preta. Uma de suas músicas mais famosas traz trechos como “experimenta nascer preto e pobre na comunidade, ‘cê’ vai ver como são diferentes as oportunidades” e “nem venha me dizer que isso é vitimismo, não ‘bota’ a culpa em mim para encobrir o seu racismo”.
Algumas pessoas podem questionar se este é o caminho mais correto a seguir pois, tradicionalmente, as críticas costumam ser mais aceitas quando vêm camufladas por uma suavidade artística. Segundo Flávia Chagas, formada em música e coordenadora de um dos núcleos do projeto Cello Preto, na cidade do Rio de Janeiro, independente da forma com que isso seja feito, “deve-se entender que vai além da música, e é preciso falar sobre esses assuntos”.
De acordo com Flávia, o samba e o rap, inicialmente, eram vistos como o lugar que os negros deveriam estar. A luta que começa nesses estilos abre portas para que artistas possam escolher para onde querem ir pois “é de extrema importância que essas pessoas se destaquem e atinjam novos públicos”.
Ainda que com o passar do tempo o cenário esteja mudando e já existam artistas pretas de sucesso no pop, como a Iza, e no funk, como Ludmilla, há espaços que precisam ser preenchidos. “Essas pessoas precisam batalhar por eles, pois são constantemente invalidadas pela estrutura musical. Não é um espaço democrático, não há corpos negros no sertanejo, por exemplo”, comenta Shante.
Dar ritmo às letras que falam sobre as mulheres e a comunidade negra é ser resistência, é cantar a história desse país, que é desvalorizada devido ao machismo e racismos estruturais, o que influencia diretamente na arte. “Não tem como falar de gente preta sem mencionar a nossa cultura brasileira”, pontua Flávia.
Ao cantarem sobre empoderamento, as artistas negras assumem uma representatividade que tem a capacidade de inspirar. Principalmente as crianças que podem se espelhar nelas. “É importante aproximar essas crianças para que elas cresçam com o sonho de ser o que elas quiserem, inclusive músicos”, declara Shante.
Num contexto social, a arte é vista como um instrumento de transformação. Shante diz acreditar no poder de revolução que carrega em sua voz pois “a música permite que haja esperança”. E, para Flávia, “a arte tem espaço para todo mundo”.
