Por Manuela Andretta Pupo

A Copa do Mundo de 2022 não viveu apenas do futebol. Como um evento esportivo mundial, era esperado que o encontro de nações tão diferentes causasse algum efeito. E, de fato, o choque cultural e político veio à tona, principalmente, diante dos diversos protestos organizados por jogadores e torcidas durante os jogos no Catar.
Os atos começaram já no início da Copa, devido, principalmente, ao fato de países como Inglaterra, Alemanha, e Dinamarca não concordarem com as políticas do país que sediou os jogos. Ainda neste sentido, o Catar apresentou medidas que violam os direitos humanos, especialmente no que diz respeito às mulheres, membros da comunidade LGBTQIA+, trabalhadores migrantes e jornalistas, por exemplo.
Movimentos de expressão que marcaram esta organização esportiva:
⦁ Jogadores do Irã se recusaram a cantar o hino antes da partida do jogo de estreia da Equipe B no dia 21 de novembro.
Fonte: @opovo.com.br
Os onze jogadores da Seleção ficaram em silêncio enquanto o hino tocava no Khalifa International Stadium, em apoio aos protestos no Irã desencadeados pela morte de uma jovem sob custódia da polícia da moralidade. Depois deste ocorrido, o governo fez ameaças aos jogadores e seus familiares caso fossem contra as normas do país.
⦁ No mesmo dia, jogadores da Inglaterra ajoelharam em campo em oposição às políticas do Catar.
Fonte: @https://twitter.com/folha/status/
⦁ Jogadores da Alemanha protestam tampando a boca no jogo do dia 23 de novembro.
Fonte: @ge.globo.com
A medida foi um protesto contra o veto da FIFA ao uso das braçadeiras pelos capitães do time com o símbolo “One Love”. A mistura de cores retratada simboliza diferentes raças, origens, identidades de gênero e orientações sexuais.
Desde 2020, o One Love tem sido representado nas competições do futebol holandês. Em 2021 recebeu o apoio de outros nove países: Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Inglaterra, França, Noruega, País de Gales, Suécia e Suíça.
Entretanto, nessa Copa, os jogadores que utilizassem o símbolo, sofreriam punições esportivas, como levar cartão amarelo.
⦁ Uso de cores monocromáticas no uniforme da Seleção da Dinamarca:
Em protesto contra o Catar, a patrocinadora de material esportivo da Seleção Dinamarquesa afirmou “Não queremos estar visíveis durante um torneio que custou a vida de milhares de pessoas.”
⦁ Dançinha brasileira da vitória e críticas:
Fonte: @esportes.r7.com
Como tradição do futebol brasileiro, a Seleção produziu dançinhas de comemoração após fazer quatro gols no jogo contra a Coréia do Sul. Entretanto, foi alvo de algumas críticas, como a de Roy Keane, ex-jogador do Manchester United que acusou o movimento de desrespeitoso.
Para Gabriel Casnati de 28 anos, formado e mestrando em Relações Internacionais pela PUC- SP, e que trabalha na ONG internacional “Public Services International” estes comentários foram infantis e demonstram preconceito com a cultura brasileira.
“São coisas da nossa cultura, do nosso DNA, da nossa história, que é de dançar e que os europeus não entenderam, e por não entenderem nos taxam como algo desrespeitoso, sendo que na verdade isso me parece vir de um racismo estrutural europeu e de um eurocentrismo muito forte”, explica.
Assim, diante deste cenário, é possível refletir mais sobre a questão entre política e esporte, e o papel do jogador como um possível agente social. Gabriel, por exemplo, acredita que é importante existir essa aproximação da política com o futebol, principalmente num evento grande como a Copa do Mundo. “Me parece muito importante jogar luz em termo de Direitos Humanos a nível global, e de questionar como foi conduzido todo o processo da copa e das proibições das manifestações políticas conduzidas pela FIFA”.
Entretanto, o estudante apresenta um contraponto dessas manifestações. Ele afirma que é necessário tomar um certo cuidado com a visão “ostentalizada” de países europeus, os quais não fariam críticas muito profundas a problemas que ocorrem dentro da Europa, tais como xenofobia, questões de migração, e racismo, mas que por ser o Oriente Médio, local com um histórico de falta de direitos humanos, eles talvez se sentiram mais à vontade para apontar críticas.
“Eu acho que são protestos importantes, são protestos super legítimos, levantam um debate público importante, mas que tem que ponderar alguns aspectos exatamente por essa relação entre serem europeus perante os olhares deles ao resto do mundo.”
Eventos esportivos como a Copa evidenciam uma mudança no que se refere ao tratar política e esporte separadamente. O professor Vitor Pachionni Brumatti, coordenador dos cursos de Jornalismo, e Publicidade e Propaganda, na Unisagrado, por exemplo, fala mais sobre isso:
“Estamos acompanhando nos últimos anos uma aproximação das discussões políticas em ambientes que antes não se relacionavam no Brasil, como o caso do esporte. Isso é importante, pois permite sensibilizar a população das ações e efeitos da participação ou não no processo político. Acredito que essa mudança não é exclusiva do Brasil, mas um movimento mundial, por exemplo, a campanha pelo fim do racismo realizada junto às equipes de Fórmula 1 nos últimos anos e liderada pelo piloto Lewis Hamilton.”
Para o internacionalista Gabriel, estes fatores acabam inevitavelmente se convergindo quando se trata de esportes com grandes investimentos e interesse público. “Política e esporte são coisas que caminham juntos e é importante que caminhe, porque já tivemos vários marcos esportivos muito importantes no avanço dos direitos humanos e no avanço da solidariedade ao redor do mundo”, acrescenta.
Nesse mesmo sentido, o posicionamento de jogadores no campo levou a críticas e questionamentos do papel dos mesmos. “Acho que o jogador, como qualquer ser humano, ele tem um poder muito forte, a voz dele tem uma força muito forte, caso ele queira se posicionar. Mas não vejo ele como alguém que precisa sempre se posicionar, nem como alguém que não deve se posicionar. Vejo como algo natural: que nem qualquer pessoa, que pode se interessar mais ou menos por discutir política”, diz o estudante.
Desse modo, para ele, a cobertura na mídia brasileira mostra um sentimento generalizado de evitar ao máximo misturar esporte com política. “Eu não acho que há uma poda do pensamento ou que há uma restrição na liberdade de pensamento dos jogadores, mas eu sinto que existe uma expectativa muito clara da mídia, e dos patrocinadores, de que esses jogadores não se manifestem em assuntos polêmicos.”
Já o professor e orientador Vitor pensa de outra maneira sobre o assunto: “Eu acredito que sempre houve e sempre há espaço, se há interesse ou busca por esse perfil de informação, aí já é uma outra discussão, mas o espaço existe, é preciso proporcionar a discussão e permitir que ela aconteça em um ambiente de respeito e ética junto à população.”
Portanto, este cenário evidencia a importância de como os indivíduos presentes na Copa devem agir diante do choque entre diferentes culturas. Para Gabriel, apesar de terem existido alguns incidentes envolvendo torcedores que foram contra as políticas do Catar,o evento mostrou um grande respeito tanto dos jogadores entre si, como entre diferentes torcidas.
“Então me parece que, a nível das pessoas, não tem esse choque cultural, de que não seja possível construir fontes de diálogos, de carinho e de solidariedade entre as pessoas, para mim me parece algo muito mais de nível dos governos, da imprensa dos países que alimenta uma rivalidade.”
Para acrescentar, Vitor diz que “essas são ótimas oportunidades para compreender e respeitar as diferenças; o diálogo é fundamental nessas oportunidades: entender o significado de cada cultura e observar os valores e contextos de cada povo. Esse é um passo muito importante para aprender sobre a cultura do outro e conseguir uma convivência pacífica e respeitosa.”
