A importância da música dentro e fora dos terreiros e a ascensão de Baco Exu do Blues
Maria Gabriela Oliveira
As matrizes africanas deram origem a diversas manifestações sagradas no Brasil. As mais conhecidas são a Umbanda e o Candomblé, mas além delas, existem tradições como o Jarê, o Terecô e o Xangô de Pernambuco. O Batuque do Rio Grande do Sul e o Tambor de Mina, que é uma variação do Candomblé no Maranhão. Entretando, devido aos séculos de escravidão no nosso país, tudo que veio da cultura negro-africana passou a ser demonizado e erroneamente interpretado por grande parte da nossa sociedade que é, em sua maioria, Cristã.
Para essas religiões, a música tem um papel fundamental. As canções são conhecidas como “pontos” e servem para facilitar a conexão com os guias espirituais e auxiliar na concentração para o acoplamento e desacoplamento (incorporação) dos médiuns com as suas entidades de trabalho. São orações cantadas que atuam no campo vibracional e realizam limpeza astral nos assistentes, médiuns e em todo o espaço físico e espiritual do terreiro.
Fora dos espaços de cerimônias, a música também tem um grande papel a ser cumprido: a representatividade. O samba e o rap, além de serem grandes ritmos musicais, estão sempre presentes quando o objetivo é defender e representar a cultura negro-africana no Brasil. O samba possui ancestralidade negra, assim como os instrumentos de batuque. São exemplos, os tambores, os timbales e o bumbo, também conhecidos como instrumentos de percussão, dos quais muitas pessoas se divertem ouvindo, mas não conhecem a história e a origem.
No rap, incontáveis músicos buscam expor e defender suas crenças nas letras das músicas. Baco Exu do Blues é um grande nome do rap nacional e em seu mais recente álbum “QVVJFA” (Quantas vezes você já foi amado?), ele explora a religiosidade em cada faixa, com trechos de pontos da Umbanda no decorrer do álbum. Desde a semana de lançamento, em janeiro deste ano, o trabalho vem sendo aclamado pelo público e pela crítica. Esteve entre os cinco álbuns mais ouvidos do Spotify mundial e recentemente, rendeu ao rapper baiano uma indicação ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa na categoria destinada à língua portuguesa.
Em 2019, Baco brilhou na categoria de “Entretenimento para Música” do prêmio Cannes Lions. O videoclipe de “Bluesman”, que competia com “Apeshit” do casal Beyoncé e Jay-Z, levou o prêmio ao lado de “This is America”, de Childish Gambino. Essa foi a primeira vez que um artista brasileiro conquistou a categoria. Seu nome artístico é uma mescla de referências e identidades: Baco, o deus grego do vinho, Exu, entidade de cultura africana e Blues, a música negra por excelência.
Para Igor Rasmi, músico da cidade de Botucatu-SP, a espiritualidade e as discussões sociais são pontos importantes a serem tratados por meio da música. “Quando você entende o RAP, também deve compreender que ele faz parte do movimento Hip Hop e que é uma cultura preta”, diz ele. Quando questionado sobre a visibilidade das religiões de matrizes africanas na música, Igor afirma: “essas pessoas já traziam sua cultura, sua realidade, suas religiões. Quando estudamos a história, automaticamente temos contato com inúmeras informações e conhecimentos sobre culturas africanas”. Para ele, artistas da música que representem essas religiões, são como pontos de resistência e incentivo à luta contra diferentes injustiças.
Juarez Xavier, ativista anti-racismo e vice-diretor da FAAC-UNESP do Campus de Bauru, afirma que quando há presença de pessoas brancas nos espaços de manifestações da população negra, há uma tendência de apropriação que leva a uma maior aceitação, ao menos do ponto de vista midiático. “Esse branco classe média que não abre mão do racismo, quer ser negro, mas não quer a presença do negro. Quer a música e a dança negra, sem o negro. Quer a tradição religiosa negra, sem o negro. Isso é o que caracteriza a brutalidade e a perversidade da apropriação cultural”, diz ele.
Para o ativista, se as religiões de matrizes africanas apresentarem, a partir da música, possibilidades para que as pessoas entrem em contato com esse universo, haverá um comportamento diferente em relação às tradições africanas. “Na minha família, cantamos todas as manhãs uma cantiga que diz o seguinte: Ninguém. Nem o racismo, nem o Estado, nem a brutalidade vão me impedir de sacralizar, homenagear e referenciar os meus ancestrais, pois eles são a razão de eu existir, e eu existindo, sou a razão de eles se manterem vivos”, finaliza.
