IVAN RODRIGO ROSSI

No último vestibular realizado por uma das maiores universidades públicas do Brasil, a UNESP, das 38.525 vagas de graduação oferecidas, apenas 4.531 foram reservadas a pessoas que se declararam como pretos, pardos ou indígenas, um número que mesmo pequeno ainda sim proporcionou o acesso de muitos estudantes que nunca imaginaram estar na universidade pública.

“O Brasil convive diariamente com um projeto de embranquecimento de sua população, onde há décadas o negro é abandonado, encarcerado e jogado à margem da sociedade, sem nenhuma expectativa de melhora, enquanto o branco, imigrante europeu, chegou ao pais com todas as condições favoráveis a ele”, define o antirracista, professor de Jornalismo da Unesp e Vice-diretor da FAAC Juarez Xavier.

Não é novidade dizer que as faculdades públicas no Brasil são majoritariamente ocupadas por pessoas brancas, mas nos últimos anos esse cenário ganhou cores diferentes, com a implementação da Lei de cotas datada do ano de 2012. A lei prevê que 50% das vagas do vestibular sejam destinadas a alunos que tenham estudado em escola pública e dentro desses 50%, uma parcela seja destinada a alunos que se declaram pretos, pardos ou indígenas. 

Essas mudanças causaram um grande impacto. Podemos ver pessoas que nunca se imaginaram em uma universidade pública, tendo acesso ao estudo graças a implementação dessa Lei, a exemplo do assistente de planejamento e estudante de jornalismo, Mateus Ferreira, de 25 anos.

Mateus nem conseguiu chegar ao ensino médio, voltou a pensar em seus estudos aos 23 anos, quando terminou o ensino médio pelo supletivo, e no ano seguinte já estava cursando jornalismo na UNESP, uma das maiores universidades públicas do Brasil. 

“Fui o primeiro da minha família e do meu ciclo de amigos próximos a entrar em uma universidade, na adolescência eu nunca tive nenhum sonho de fazer faculdade, vai muito por achar que eu não conseguiria. Tinha muitos problemas familiares, o que fez eu nem chegar ao ensino médio, então, era meio que algo inalcançável, mas sempre tive vontade de fazer jornalismo”, desabafa Mateus. 

Para muitos jovens negros a universidade pública nunca foi uma das opções para sua vida. Essa ideia só vem após alguns anos no mercado de trabalho, após alguém mostrar a eles essa opção, enquanto muitos alunos de escola particular praticamente estudam sua vida toda já sabendo em qual universidade eles querem entrar. 

Mateus explica ainda que a falta de pertencimento não acaba quando o jovem negro entra nesse espaço da universidade. Para ele, após entrar vem a insegurança e o pensamento de que se ele realmente deveria estar ali: “é algo que às vezes a ficha não cai, nas primeiras semanas achava que era algum engano, que não era meu nome ali, afinal de contas passei com 25 anos, vindo de escola pública e supletivo ainda. Nunca achei que tinha potencial pra isso e tem sido incrível”. 

Já para a estagiária e estudante de jornalismo Flávia Gracinda, de 22 anos, a universidade pública se tornou um sonho aos 19, quando frequentava um curso técnico em administração na Escola Técnica Estadual – ETEC, porém, antes disso, a faculdade nem passava em sua mente. “Até o final do ensino médio isso me parecia algo distante, mas fiz algumas amizades que me fizeram olhar para a universidade pública como uma forma de ingresso no ensino superior, então resolvi prestar o vestibular”, comenta Flávia. 

Conseguimos entender que acreditar em um ensino superior não é um privilégio para todas as classes, que muitos jovens negros só pensam em universidade muitos anos após terminar o ensino médio, seja por problemas sociais, pessoais ou o fardo de viver em uma sociedade refém de um racismo estrutural.

Flávia explica que, por conta de uma história que apaga as heranças e raízes negras do país, a autoestima tem que ser devolvida ao negro para que ele acredite que pode estar lá.“Família e amigos, eles me incentivaram e me deram bastante apoio durante os estudos e todo processo até a aprovação no vestibular. Prestei o vestibular uma vez e não passei, quando decidi tentar de novo e compartilhei a ideia com os mais próximos, eles me apoiaram e acreditaram nesse sonho junto comigo, acredito que isso fez muita diferença”.

Pelos depoimentos acima, conclui-se que a presença do negro nas universidades publicas é um ato de “revolução”, um ato que ainda está no começo, mas graças a esses alunos e alunas que quebram estatísticas e decidem lutar por uma vaga nesse espaço, cada dia mais esse ambiente se torna plural.

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