Com Lula eleito, a volta do ministério é um dos desafios para a equipe de transição de governo

Por GIOVANA KEIKO

“Sabemos que no Brasil a arte praticamente não é valorizada. O governo atual acabou com o ministério da cultura, de forma que nos últimos anos não foram tomadas medidas para incentivar os artistas do país”, conta Raquel Lledó, jovem cantora brasileira.

Depois de quatro anos de retrocesso, o Ministério da Cultura já tem ministra confirmada. Rebaixado a Secretaria ao juntá-la ao Ministério do Turismo, esta ação foi realizada no primeiro dia de governo de Bolsonaro em 1º de janeiro de 2019. O projeto de governo de Luiz Inácio Lula da Silva já prometia o retorno do Ministério em 2023. Margareth Menezes já aceitou o cargo de Ministra da Cultura.

“O caminho vai ser muito longo, é uma condição de completa terra arrasada. Vai haver contratação de servidores, uma busca de pessoas comprometidas com a cultura e que queiram participar desse processo e, além disso, também uma luta pela recomposição orçamentária. Mas vamos ter muito mais força do que esses que anos de desmonte”, diz Rafael Moreira, co-autor do livro “O fim do Ministério da Cultura – Reflexões sobre políticas públicas culturais na era pós MinC”. Rafael é professor universitário, doutor em Ciência Política pela USP, e escreveu o livro junto de Lincoln Spada.

Será um desafio restaurar o ministério, visto que atualmente ele se encontra vinculado ao Ministério da Cidadania e ao Ministério do Turismo para fazer contratações. E durante o governo de Bolsonaro, o número de servidores caiu, por alguns não suportarem o clima de trabalho, outros anteciparam suas aposentadorias ou pediram as contas.

Rebobinando, o Ministério da Cultura foi criado em março de 1985, durante a gestão de José Sarney, e foi parte do processo de redemocratização. Dando início ao MinC, um dos objetivos era estimular a produção cultural brasileira, apoiando a pluralidade deste país singular, tornando o acesso à cultura um direito. Segundo a Constituição Cidadã, Art. 215, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. 

Entretanto, mesmo com o artigo 215 e 216 da Constituição de 1988 defendendo e garantindo a cultura ao povo, este setor sempre teve sua existência ameaçada. Primeiramente, no mandato de Collor, quando ele vinculou o MinC diretamente à presidência da república. E, anos depois, houve outra tentativa de desmanche no governo de Michel Temer, que tentou unir o Ministério da Educação ao da Cultura, porém a medida durou nove dias por pressão do setor cultural.

“Nos últimos anos, ficou mais difícil a vida no Brasil, e decidi voltar para a Espanha. Um ano antes comecei a estudar para fazer uma prova de acesso a um conservatório aqui, e estudar música formalmente”, declara Raquel Lledó, que atualmente estuda canto lírico do conservatório Federico Moreno Torroba, em Madrid. 

Desde o rebaixamento à Secretaria Especial de Cultura, uma coisa foi certa. Que nada estava certo. Desde o início até agora seis pessoas já ocuparam o cargo de Secretário. Atitudes e falas nazistas foram feitas pelo ex-secretário Roberto Alvim. Além de Sérgio Camargo responsável pela Fundação Zumbi dos Palmares, que chamou o movimento negro de ‘escória maldita’, e revogou prêmios de pessoas negras.

Margareth Menezes, confirmada para ministra, é cantora, uma mulher negra, baiana de Salvador. Fundadora da Associação Fábrica Cultural, de combate ao trabalho infantil, exploração sexual e outras violações, ela também dirige o mercado Iaô, que é uma agência de produção cultural baiana. Margareth também é embaixadora da IOV-UNESCO, que é um grupo que tem como objetivo preservar e incentivar a produção cultural. E além disso tudo, em 2022, ela foi eleita uma das 100 pessoas negras mais influentes do mundo pelo Most Influential People of African Descent.

Num governo que vê a cultura como ameaça, leis como Aldir Blanc e Paulo Gustavo, vão ficando para depois. E com cada vez menos recursos, a cultura, por sua vez, sofre mais do que qualquer outro setor político no país, por ser vista como optativa e não essencial. A esperança é que nos próximos anos esse pensamento mude e a cultura venha a ser uma prioridade para o Estado.

Deixe um comentário