MATHEUS SANTOS
País sede do megaevento esportivo que terminou no domingo, 18, preocupou-se em transmitir ao mundo a imagem de um país receptivo e inclusivo. E isso já pôde ser percebido na abertura da Copa do Mundo, ocorrida no dia 20 de novembro, no estádio Al Bayt.
Naquele espetáculo, durante cerca de trinta minutos, o país do Oriente Médio apresentou ao mundo um curta-metragem narrado pelo ator estadunidense Morgan Freeman.
Para o jornalista e colunista esportivo do Brasil de Fato, Gabriel Carriconde, o Catar tentou passar a visão de que está aberto às diferenças, mas houve pouca diversidade nas arenas, poucas mulheres nos estádios, além de muitos torcedores brancos, heterossexuais e ricos.
Ghanim Al Muftah, ativista e influenciador catari, é deficiente físico e contracenou ao lado de Morgan Freeman, questionando se era bem-vindo no país. O ator americano enfatizou: “Todos são bem-vindos. Esse é um convite para todo o mundo”.
Mas na prática nem todos são realmente bem-vindos.
Leis anti-LGBTQIA+
Segundo relatório divulgado em 2019 pela Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA), o Catar integra a lista de 70 países onde existe alguma lei que criminaliza a homossexualidade.
A Sharia é o conjunto de leis islâmicas que tem como base o Alcorão e as condutas impostas nela são julgadas em tribunal por um cádi, xeique conhecedor da jurisprudência islâmica, no qual toda sentença só pode ser aplicada após o direito à defesa e a testemunhas do acusado.
O código penal catari, por exemplo, prescreve a homossexualidade como uma prática criminosa, condenada até oito anos de prisão. Contudo, o livro sagrado dos muçulmanos não condena homossexuais, mas sim a violência sexual, segundo o imã Ludovic-Mohamed Zahed.
Restrição a cristãos
A religião oficial do Catar é majoritariamente islâmica, em sua maior parte sunita, e isso promove restrições a grupos religiosos pouco expressivos. A escassa comunidade cristã, por exemplo, não pode realizar cultos em espaços públicos nem exibir símbolos religiosos nas igrejas, pois corre risco de ser acusada de proselitismo, tentativa de converter pessoas a uma religião.
Mulheres
As mulheres cataris vivem sob o conservadorismo social e religioso, que impõe uma espécie de tutela por parte de homens mais velhos. Sem a permissão masculina, elas não podem frequentar a escola, por exemplo. Para muitas dessas mulheres é como ser menor de idade a vida inteira, explica a catari Zeinab em entrevista à BBC.
Trabalho escravo
Quando o governante supremo catari Emir Tamim bin Hamad al-Thani discursou durante a cerimônia de abertura, ele foi preciso ao afirmar que o país investe “para o bem da humanidade”. No entanto, de acordo com denúncias da Anistia Internacional, Human Rights Watch, o Catar, que possui população nativa estimada em 300 mil habitantes, contou com força de trabalho análogas à escravidão de mais de 2 milhões de imigrantes, parte deles para a construção dos estádios luxuosos da Copa do Mundo no país, onde não existe a cultura do futebol e não existia infraestrutura necessária para receber o torneio.
Gabriel afirma que o país do Golfo Árabe utiliza o conceito do sportwashing, uma tentativa de usar grandes eventos para acobertar problemas locais como esse. Conforme levantamento do jornal britânico The Guardian, desde que o Catar foi escolhido para sediar a Copa em 2010, mais de 6.500 imigrantes de nações pobres, como Bangladesh, Nepal e Sri Lanka morreram no território islâmico. Porém, não se sabe com clareza se todas as mortes estão relacionadas à construção do complexo futebolístico catari.
O colunista salienta ainda a atuação da família real do país em várias frentes: é acionista de diversos negócios ligados ao futebol, é proprietária do clube francês Paris Saint-Germain e patrocinadora oficial da FIFA, com viagens aéreas submetidas pela companhia Qatar Airways.
Mais controverso que a escolha do Catar para sediar a 22° edição da Copa do Mundo foi a realização do evento em 1978, na Argentina, período em que o país sul-americano enfrentava a ditadura militar. Segundo Carriconde, “enquanto as pessoas comemoravam a vitória da Argentina na Copa do Mundo, do lado de fora dos estádios existiam centros de tortura, e mesmo com denúncias graves, a Copa foi realizada normalmente”.
Embora a escolha do Catar como país sede da realização da Copa do Mundo de 2022 envolve inúmeras controvérsias, Hassan Al Thawadi, secretário-geral do Comitê do Mundial, garantiu a tolerância e a hospitalidade a todos e afirmou que “o Catar tem sua própria cultura e tradições únicas, então esperamos que qualquer torcedor que viajar ao país respeite a cultura e as tradições locais”.
Comentário do autor: Percebi durante a leitura da minha reportagem o quanto eu estava sendo preconceituoso com o Catar, escolhendo palavras pejorativas como “homofóbico” para caracterizá-lo, quando na verdade o termo “conservador” é menos agressivo. Ao falar sobre as restrições impostas à comunidade cristã no país, utilizei, inicialmente, a palavra “perseguição”, mas a prática não existe de fato, não da maneira como o ocidente convencionou. Pedi para Walid Mahmoud Said Shuqair, jornalista árabe muçulmano e um adepto da religião revisarem meu texto. Eles disseram que quando eu abordei sobre esses aspectos cometi algumas generalizações preconceituosas, que logo corrigi.
