RAQUEL FREIRE
A vigésima segunda edição do torneio internacional de futebol masculino organizado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) carrega alguns marcos: é a primeira realizada no Oriente Médio, a última a ter o formato de 32 equipes e, possivelmente, é a mais polêmica da história do evento. De acusações de corrupção a violações dos direitos humanos, o Catar tornou-se o alvo perfeito para os holofotes do mundo direcionarem sua atenção sobre assuntos que não são exclusivos do esporte. Diante de tantas controvérsias – ou graças a elas –, no entanto, a Copa do Mundo de 2022 pode ser caracterizada, para além dos fatos já citados, como a competição mais politizada da história.
A comunidade LGBTQIA+
Uma autoridade do governo do Catar disse à CNN em um comunicado que o anfitrião do maior e mais lucrativo evento esportivo do mundo é um país inclusivo. “Todos são bem-vindos no Catar”, disse a declaração, acrescentando: “nossos registros mostram que recebemos calorosamente todas as pessoas, independentemente do histórico”. Entretanto, surgiram mensagens mistas, como a do embaixador da Copa do Mundo e ex-jogador de futebol Khalid Salman, que disse no início do mês da competição que a homossexualidade era “um dano na mente”.
No Catar, a homossexualidade é ilegal e punível com até três anos de prisão. Um relatório da Human Rights Watch, publicado em outubro de 2022, documentou casos recentes das forças de segurança do país prendendo arbitrariamente pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+ e submetendo-as a “maus tratos na detenção”. O último episódio apresentado no relatório ocorreu em setembro do mesmo ano.
Normalmente, a maioria das controvérsias são esquecidas quando o jogo começa, mas não é isso que aconteceu nessa edição. O torcedor italiano Mário Ferri, conhecido como Falcão, invadiu o campo durante a partida entre Portugal e Uruguai realizada no dia 28 de novembro, correndo enquanto segurava a bandeira LGBTQIA+. Sua manifestação protestou sobre outras duas causas: em sua camiseta estava escrito mensagens de apoio às mulheres iranianas e à Ucrânia.
Houve uma movimentação vinda da parte dos jogadores a respeito do tema, mas não seguiu adiante. Algumas seleções participantes da Copa se mobilizaram para utilizar braçadeiras pelos seus capitães com a escrita “One Love” como uma forma de protesto contra a discriminação à comunidade e em apoio à diversidade de gênero e às formas de amor. No entanto, a FIFA ameaçou penalizar com sanções esportivas as sete seleções que iriam utilizar a braçadeira e, com o anúncio da entidade, todas elas desistiram de entrar em campo com o acessório. Entre as seleções que utilizariam a braçadeira estão: Bélgica, Inglaterra, Dinamarca, Holanda, País de Gales e Suíça; a França desistiu da manifestação antes da ameaça da FIFA.
Futebol e política não se misturam?
Apesar da utilização das braçadeiras não ter sido concretizada, os jogadores encontraram outras formas de protestar, inclusive contra esse fato. Em resposta à atitude da FIFA, a seleção da Alemanha, em sua estreia na Copa do Catar contra o Japão, posou com todos os jogadores tampando suas bocas com as mãos, representando um silenciamento por parte da entidade.
No que diz respeito à violação dos direitos humanos, os atletas da seleção inglesa se ajoelharam antes do início da partida contra os Estados Unidos. O gesto de se ajoelhar no gramado se assemelha ao feito por jogadores durante a Premier League em protesto pela morte de George Floyd, um homem negro morto por um policial que desencadeou o movimento Black Lives Matter em todo o mundo.
A Dinamarca, por sua vez, optou por protestar de uma maneira sutil. Em seu jogo de estreia contra a Tunísia, a seleção escandinava entrou em campo com um uniforme histórico: o modelo fabricado é completamente vermelho, com exceção apenas aos números. O escudo da fabricante Hummel e da federação dinamarquesa em tom monocromático fazem críticas também às denúncias de violação dos direitos humanos no país sede.
O Catar – uma península menor do que o menor estado brasileiro, com um calor tão extremo que jogar futebol lá durante os meses mais quentes chega a ser um potencial risco para a saúde e com uma ideologia que mais separa do que une –, em meio a tantos países, é um dos últimos lugares em que faria sentido sediar um grande torneio esportivo internacional. As equipes nacionais – e, criticamente, seus governos – podem e devem pressionar o Catar por responsabilidade. Isso não significa que todo jogador deve falar, mas aqueles que o fazem devem ser apoiados e ampliados. Afinal, isso é mais que Copa do Mundo: é sobre poder ser.
