NATHAN NUNES
A eleição de Lula em 2022 marca, de certa forma, um retorno à normalidade na política brasileira, depois de quatro anos marcados pelos ataques de Jair Bolsonaro a diversas instituições essenciais para a manutenção da democracia. Uma delas foi a imprensa, conhecida popular e academicamente como o “Quarto Poder”, isto é, aquele que vigia os outros três (Executivo, Legislativo e Judiciário) para garantir que eles não faltem com a sociedade que elegeu seus representantes.
O caráter vigilante que marca essa alcunha naturalmente provoca atritos com a classe política, independente de qualquer partido. Foi assim com Bolsonaro e também com Lula, cuja volta ao Palácio do Planalto em 2023 coloca a imprensa em uma encruzilhada: como ela vai se portar a partir de agora?
Durante os 13 anos de gestão do Partido dos Trabalhadores, primeiro com Lula entre 2003 e 2010 e depois com Dilma Rousseff entre 2011 e 2016, a posição da imprensa foi, para o professor e vice-diretor do curso de jornalismo da Unesp Bauru Juarez Xavier, “não linear”.
“No início, ela tentou pautar o governo para dar continuidade à política neoliberal em curso. Apesar de manter uma linha política em defesa do estado democrático de direito, o governo FHC tinha uma orientação baseada no teto de gastos, privatização, em especial da educação, e políticas sociais compensatórias. A imprensa apostou nessa continuidade. Quanto o governo Lula mostrou que não haveria ruptura nessa condução, a imprensa se civilizou. Mas, de modo geral, ela foi ‘atritiva’, como deve ser, mas muito mais aguda do que no período anterior”, explica o professor.
Maria Cristina Gobbi, também professora do curso de jornalismo da Unesp Bauru, acredita que existe uma “guerra declarada” contra o PT por parte da imprensa. “Há uma narrativa midiática de desqualificação, que associa o PT à corrupção, gerando a onda do antipetismo, que, insuflada pelo discurso de ódio, tem atraído um grande contingente. Essa associação ganhou um grande fôlego com o início da Lava Jato em 2014 e também encontrou terreno fértil em 2012 no julgamento do mensalão. Eu acredito que existe um movimento para enfraquecer o partido, ligado a um processo de desqualificação da política nacional e que tem favorecido a ascensão da extrema direita”.
Notavelmente, essa abordagem da imprensa provocou um ressentimento palpável do partido de centro-esquerda, em especial depois da sua cobertura do impeachment de Dilma Rousseff em 2019. Ressentimento, contudo, não será a tônica do novo governo, de acordo com as palavras de Lula durante o seu primeiro pronunciamento, no dia da eleição: “vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para aqueles que votaram em mim”.
No que tange à discussão sobre como será a relação do novo presidente com a imprensa nos próximos anos de mandato, Juarez analisa que “Lula terá uma relação mais amistosa com a mídia, sem abrir mão da sua autonomia. Terá apoio nas pautas democráticas e oposição às medidas de caráter mais social. Nas pautas mais amplas, a relação deverá ser de morde e assopra. Mas, se o governo tiver força para retomar a ideia de regulação dos meios de comunicação, comum em qualquer democracia, as relações devem se azedar, pelo fato da mídia corporativa querer manter o status de ser o quarto poder sem restrições.”
O professor ainda afirma que a mídia deve e precisa ser criticada. “Ela não é um ente mítico. Faz parte da sociedade. Tem direitos. Tem deveres. Não há liberdade de imprensa absoluta. Ela é condicionada pela Constituição. Criticar a mídia dentro dessas normas legais é lícito. O ataque a ela, nos moldes do governo de extrema direita – violência contra jornalistas, restrições nas políticas de concessão, perseguição econômica- é crime, fere a Constituição e sabota a democracia.
Xavier explica ainda que é preciso expor os conflitos de interesses que a mídia tenta esconder. “Isso é jornalismo liberal, cujos princípios são: informar a cidadania para que ela possa ser livre para tomar suas decisões em defesa do estado democrático de direito”.
